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Uma festa de fim de ano que deve durar dias e aglomerar pessoas de diferentes lugares. Assim tem sido noticiado o evento liderado pelo jogador Neymar nesta semana, em meio à pandemia de covid-19. O fato repercutiu em diversos países e tem sido alvo de duras críticas nas redes.
Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, festas como a do atacante do Paris Saint-Germain podem ser consideradas eventos ‘superdisseminadores’ do coronavírus , por reunir diversas pessoas em um ambiente fechado.
“Não existe nenhum protocolo de segurança que permita esse tipo de festa. Todos os protocolos , como o uso de máscaras e o distanciamento de até dois metros, são válidos para pequenas reuniões de quatro ou cinco pessoas”, alerta a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência.
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De acordo com o colunista Ancelmo Gois, do O Globo, o evento de Neymar teve início na sexta-feira (25) e vai até a virada do ano. A comemoração, conforme o jornalista, é realizada em uma mansão em Mangaratiba , na Região da Costa Verde do Rio de Janeiro.
Conforme Gois, o atleta comprou um hangar desativado em uma fazenda para receber muitos dos convidados, que vêm de diferentes lugares.
Segundo as notícias sobre o assunto, o evento acontece em uma espécie de boate com proteção acústica criado pelo jogador em um anexo da mansão, para que o som não atrapalhe a vizinhança. Diferentes atrações musicais devem se apresentar no local.
O colunista Ancelmo Gois informou que o evento deve contar com cerca de 500 convidados. Mas segundo uma publicação da empresa que seria a responsável pela festa, a comemoração deve ter “aproximadamente 150 pessoas”.
Independente dos números de convidados, os especialistas são unânimes: eventos assim não deveriam ocorrer no atual momento.
“Não há como festas nesse formato serem seguras durante a pandemia. A única alternativa que consigo imaginar para eventos assim é não fazer”, aponta o sanitarista Christovam Barcellos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A assessoria de imprensa de Neymar nega que ele tenha organizado uma festa de Réveillon. Em suas redes sociais, o atleta não se pronunciou sobre o caso.
‘Superdisseminador’
Assim como a festa de Neymar , pelo país há inúmeras festas realizadas em meio à pandemia. Nas redes sociais, imagens de comemorações pelo país têm se tornado cada vez mais comuns.
Especialistas apontam que o relaxamento das medidas de isolamento social , e o consequente aumento das aglomerações, está diretamente ligado ao crescimento de casos de covid-19 pelo país nas últimas semanas — atualmente o Brasil já registrou mais de 7,4 milhões infecções pelo coronavírus e 191,1 mil mortes .
Há festas que dizem seguir todos os protocolos necessários. No entanto, especialistas afirmam que não é possível haver qualquer medida para conter o vírus quando há aglomeração de pessoas sem máscaras.
“É difícil haver festas, como as de fim de ano, nas quais as pessoas vão manter distância de dois metros entre si e todos vão usar máscaras corretamente e retirá-las somente para comer ou beber”, comenta o epidemiologista Márcio Sommer Bittencourt, pesquisador do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP.
“A contaminação ocorre pelo contato próximo, principalmente quando a pessoa está sem a máscara. Quanto maior a quantidade de gente em um local, maior o risco de contaminação. Não há como garantir que não haverá contaminação em um ambiente fechado com centenas de pessoas por tempo prolongado, sem distanciamento adequado”, acrescenta Bittencourt.
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Eventos com dezenas de pessoas em lugares fechados, como tem sido noticiado no caso de Neymar, estão entre os mais perigosos para a transmissão de covid-19 .
“Essa festa do Neymar parece que é toda ao contrário das medidas para combater o vírus. É um lugar fechado, pouco arejado e com muita gente aglomerada. E as pessoas vão beber, então, naturalmente serão obrigadas a tirar a máscara”, diz Barcellos.
Definidos como “superdisseminadores”, esses ambientes fechados e com aglomerações foram alguns dos primeiros fechados em muitos países no início da pandemia, para combater o aumento dos casos de covid-19.
Em locais assim, se alguém estiver com o vírus — com ou sem sintomas — logo pode infectar outras pessoas e dar início à cadeia de transmissão que pode atingir larga escala. “Se houver, por exemplo, uma pessoa que é ‘superdisseminadora’, ela pode infectar aproximadamente até 15 pessoas ali, como já foi observado em outros eventos”, explica Natalia Pasternak.
“Em ambiente fechado, o vírus pode circular no ar-condicionado e aumentar ainda mais a transmissão . É uma situação que não tem como ser minimizada”, acrescenta a microbiologista.
Além dos riscos aos convidados e aos trabalhadores da festa, especialistas apontam que esses eventos podem provocar muitas mortes de pessoas que sequer estavam na comemoração. “Uma pessoa que é infectada na festa pode expor a própria família ao vírus. Isso é um risco, principalmente, para idosos e pessoas com doenças pré-existentes”, comenta Barcellos.
“Pelo mundo, há casos de eventos festivos que geraram mais de 100 casos de covid-19”, acrescenta o especialista.
“A pessoa vai à festa e depois a vida dela continua, porque ela pode não sentir nada. Nos próximos dias, todos os que convivem com ela correm risco. A pessoa pode pegar, depois visita o pai, passa para ele, que passa para a mãe e alguém morre”, pontua Bittencourt.
“Além disso, é importante dizer que não é garantido que uma pessoa jovem não vai ser um caso grave de covid-19. Há várias situações assim. Além disso, a pessoa pode ter sequela funcional e não conseguir retomar atividades rotineiras”, acrescenta Bittencourt.
Os testes em convidados
Uma estratégia adotada em vários eventos durante a pandemia, para fazer aglomerações, é a realização de testes para apontar se a pessoa está com a covid-19. No entanto, especialistas alertam que a medida não garante que não há convidados infectados pelo novo coronavírus .
“Não há nenhum exame que exclua com 100% de segurança a possibilidade de você estar infectado pelo vírus da covid-19”, diz o médico Alexandre Naime, chefe de Infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu (SP).
O teste considerado o mais preciso para a covid-19 é o RT-PCR, que deve ser coletado entre os dias três a cinco, a partir do início dos sintomas . “Ele tem uma sensibilidade entre 70% a 80%. Ou seja, mesmo com o melhor exame existe a possibilidade 20% a 30% de falso negativo, no qual a pessoa está infectada e o teste falha em detectar o vírus”, explica Naime. O percentual de erro aumenta quando a pessoa é assintomática.
Os demais testes têm segurança menor. “As sorologias não estão indicadas para identificar a infecção ativa por covid porque têm altíssimas chances de falso negativo (maior ou superior a 50%) por conta da janela imunológica, período que demora para o surgimento dos anticorpos no sangue, entre oito a 14 dias após os primeiros sintomas”, diz o infectologista.
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Naime ressalta que não há nenhum exame laboratorial que garanta totalmente que a pessoa não foi infectada pelo novo coronavírus. “Testes negativos para a covid-19 , principalmente em assintomáticos, não descartam a infecção ativa e transmissão desse vírus. Assim, é desaconselhável a realização de testes com a intenção de promover encontros com a família ou amigos, por absoluta falta de segurança”, declara o médico.
Desta forma, especialistas ressaltam que a melhor forma de prevenção para a covid-19 é o uso da máscara, higienização das mãos, permanecer em casa sempre que possível, evitar aglomerações e adotar o distanciamento de um a dois metros de pessoas que moram fora do seu ambiente domiciliar.
Caso queira ter contato com a família ou amigos, a orientação para evitar a propagação da covid-19 é se isolar por 14 dias antes. “E quem for a alguma balada com pessoas que não são do seu ambiente familiar também deve se isolar pelo mesmo período, para não contaminar outras pessoas”, orienta o infectologista.
A festa de Neymar
Diante do cenário da pandemia de covid-19, a festa de Neymar tem gerado insatisfação entre os moradores de Mangaratiba , informou a CNN Brasil. Um funcionário do condomínio onde o evento tem sido realizado afirmou ao canal de televisão que a comemoração tem movimentado o local com entrada e saída de pessoas o tempo todo.
Ainda segundo a CNN Brasil, a assessoria do grupo musical “Vou pro Sereno” confirmou a apresentação no evento particular do jogador.
As notícias sobre o tema apontam que Neymar proibiu que os convidados entrem com celulares na festa, para evitar a divulgação de fotos ou vídeos da comemoração nas redes sociais.
Na imprensa internacional, diversos veículos ressaltaram que o jogador promove a festa em um período em que especialistas estão desaconselhando aglomerações, diante do recente aumento de casos de covid-19 no Brasil.
Na capital do Rio de Janeiro, por exemplo, a Prefeitura fechou toda a orla da cidade na noite do Réveillon , para evitar aglomerações. O Estado tem sofrido com o crescimento de casos e mortes pelo coronavírus, enquanto o sistema de saúde está sobrecarregado e faltam leitos para pacientes graves.
Em nota à BBC News Brasil, a Prefeitura de Mangaratiba afirma que orienta que as celebrações de fim de ano sejam feitas sem aglomerações e com o uso de máscaras e de álcool em gel, quando envolver pessoas de fora do convívio diário.
Em relação ao evento de Neymar, a Prefeitura argumenta que não pode fiscalizar a situação porque “não tem competência legal para legislar sobre eventos privados realizados em residências particulares”.
“A orientação da Prefeitura, caso haja alguma celebração de fim de ano em propriedade particular, é que sejam respeitados protocolos de prevenção contra a COVID como a não realização de aglomerações, uso regular de álcool gel, higienização constante do local e uso obrigatório de máscaras, além de reforço para a proteção para pessoas com comorbidades e idosos”, diz nota da Prefeitura.
![Valas abertas em Manaus](https://c.files.bbci.co.uk/1622B/production/_112476609_manaus1.png)
Uma empresa, chamada Agência Fábrica, informou em seu perfil no Instagram que é a responsável por um evento de Réveillon que “receberá aproximadamente 150 pessoas” na região da Costa Verde. A empresa não citou o nome do jogador, mas diversos veículos logo associaram o atleta ao esclarecimento, justamente por se tratar de um comunicado na mesma região e sem detalhar sobre qual evento se trata.
Segundo a nota da agência, a festa é privada, “com acesso exclusivo para convidados e sem vendas de ingressos”.
A empresa diz que o evento é realizado com “as licenças dos órgãos competentes necessárias para a sua realização”.
Ainda segundo a agência, a comemoração tem cumprido todas as normas sanitárias determinadas pelos órgãos públicos. O texto, porém, não detalha quais entidades autorizaram a festa, muito menos a quais normas se refere ou sobre a eficácia dessas medidas para evitar a propagação da covid-19.
Para a cientista Natalia Pasternak, diante da ausência de qualquer medida que possa garantir a segurança de convidados e trabalhadores, é fundamental que festas sejam proibidas durante a pandemia. “As empresas de entretenimento estão fechadas. Há todo um setor da economia fechado. Não há justificativas para essas festas como a do Neymar. O setor de entretenimento, que sofre com a atual situação, precisa de políticas públicas adequadas para esse período, mas nada justifica colocar as vidas das pessoas em risco porque um setor da economia está prejudicado”, declara.
“Isso é uma forma de gerar dinheiro para esses trabalhadores, para que eles possam deixar em testamento para os filhos órfãos. É isso?”, questiona a especialista.