Relatório da PF cita políticos por suposto desvio de R$ 18 milhões de prefeitura no AC

Relatório produzido pela Polícia Federal no Acre, ao qual o site oacreagora.com teve acesso neste domingo (8), aponta a ação de um suposto grupo criminoso que atuou na prefeitura de Cruzeiro do Sul entre 2010 e 2017. Os possíveis mandantes do esquema são figuras proeminentes da política local – e atualmente frequentam os palanques de dois candidatos a prefeito da principal cidade do Juruá.   

O ex-prefeito Vagner Sales e o filho, atual candidato à prefeitura de Cruzeiro do Sul pelo MDB, Fagner Sales, figuram no topo da lista da PF como suspeitos de serem mandantes do grupo. Dele ainda fariam parte o presidente da Assembleia Legislativa do Acre, Nicolau Jr., e o prefeito cassado Ilderlei Cordeiro (ambos do PP).

Segundo a PF, o suposto esquema financeiro que tragou mais de R$ 18 milhões da prefeitura operou também com a participação de servidores públicos municipais e representantes da iniciativa privada. Estes últimos, de acordo com as investigações, seriam ‘laranjas’ dos verdadeiros beneficiários da rapina.

No total, 20 pessoas constam do relatório produzido pelo Núcleo Operacional de Desvio de Recursos Públicos da Polícia Federal.

Vagner e Fagner Sales são investigados pela PF/Foto: reprodução

As investigações identificaram transações bancárias suspeitas entre proprietários de duas empresas do ramo da construção civil e o ex-prefeito Vagner Sales, o filho Fagner e o deputado Nicolau Jr. O prefeito cassado Ilderlei Cordeiro consta do relatório pelo fato de que parte significativa dessas transações ocorreram no seu governo e com a participação de um dos seus secretários.

Grandes somas de dinheiro foram sacadas em espécie, na ‘boca do caixa’, o que a PF classifica como uma tentativa de ocultar a sua destinação final. Mas o cruzamento das informações revelou que esses saques coincidiam com valores depositados nas contas dos políticos mencionados ou com pagamento de bens a eles pertencentes.

No ‘olho do furacão’ está a C P Rosas Construções, empresa que tem como sócios-proprietários os irmãos Cleilson e Cleilton Pinheiro Rosas. O relatório policial, porém, indica que os verdadeiros donos da construtora venham a ser Vagner Sales e o filho Fagner.

Entre 2010 e 2016, a C P Rosas faturou, em contratos firmados com a prefeitura – então comandada por Vagner Sales – um total de R$ 18.812.893,51. E entre os anos de 2017 e 2019 – quando Ilderlei Cordeiro já estava na cadeira de prefeito –, o faturamento foi de R$ 3.795.221,86.  

De acordo com a PF, mais de 92% dos recursos recebidos pela construtora têm origem nos cofres públicos (veja tabela abaixo).

Fonte: relatório da PF em Cruzeiro do Sul

E chama a atenção que 57% dos recursos destinados à empresa pela prefeitura de Cruzeiro do Sul tenham sido sacados em espécie, “gerando forte indício de que os reais destinatários dos valores recebidos pela empresa precisariam recebê-los de modo obscuro”, conforme o relatório policial.

Para a PF, outro indício de que os irmãos Pinheiro não passam de ‘laranjas’ do suposto esquema é a distribuição do dinheiro amealhado pela construtora. Entre 2014 e 2018, Cleilson fez 74 transferências bancárias, num total superior a R$ 1,8 milhão (ou 99,6%), enquanto Cleilton movimentou meros R$ 8 mil em 6 operações bancárias (ou 0,4% do total de transações).   

Do tostão ao milhão

Os irmãos Cleilton e Cleilson Pinheiro Rosas eram pessoas de poucas posses até entrar no ramo da construção civil, em 2009, mesmo ano em que Vagner Sales assumiu a prefeitura cruzeirense. Naquela época, segundo as investigações, apenas Cleilton possuía veículo próprio: uma motocicleta avaliada em pouco mais de R$ 2,7 mil.

Antes de 25 de agosto de 2009, Cleilton trabalhou no Iapen e na Polícia Militar, sendo que sua renda anual declarada em 2010 era R$ 17.100,00. Em novembro de 2010, porém, ele entrou com participação de 50% e Capital Social de R$ 250 mil na C P Rosas Construções Ltda.

Deputado Nicolau Júnior foi afastado da presidência da Aleac pelo TRF-1/Foto: Reprodução

Antes de 25 de agosto de 2009 não há registros ou nem ao menos divulgação em Diário Oficial de que Cleilson Rosas tenha tido um trabalho com registro em carteira.

Ele e o irmão não possuíam patrimônio ou mesmo um histórico de bens móveis e imóveis condizentes com os valores milionários movimentados a partir da assinatura de contratos com a prefeitura.  

O negócio tampouco se mostrava promissor. Funcionando em uma sala alugada na Rua Rui Barbosa, número 156, sala 01, térreo da Catedral, no centro, a firma não dispunha de sede com estrutura própria, tais como pátio, almoxarifado e galpão. E nem veículos e equipamentos compatíveis com os serviços prestados (ônibus ou micro-ônibus para o transporte de funcionários, maquinários de construção civil e caminhões-caçamba, entre outros).

Ainda assim, a empresa conseguiu multiplicar sua receita de R$ 263 mil em 2010 para R$ 3,4 milhões em 2012.  

Outro aspecto suspeito é o volume financeiro que saiu das contas da construtora C P Rosas por meio de saques. De 1º de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2017, foram realizadas 1.046 retiradas das contas correntes da construtora, num total de aproximadamente R$ 10 milhões.

Veja o detalhamento:

Por meio de diligências, a PF constatou ainda que Cleilton utilizava um veículo registrado no nome de Vagner Sales.

Depósitos obscuros

A Polícia Federal afirma ter encontrado nas contas de Vagner Sales, entre 1º de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2017, 140 depósitos com valores acima de R$ 1 mil, sem identificação de origem. O total em depósitos é de R$ 1.012.952,40.

Fagner Sales também é apontado pela PF como ‘dono’ da construtora C P Rosas. As investigações encontraram em seu histórico bancário uma transferência, datada de 16 de novembro de 2017, no valor de R$ 5 mil, proveniente da conta corrente de titularidade de Cleilson Rosas.

Além disso, também é relevante a transferência de R$ 8.000,00 em 17/03/2017 que FAGNER SALES recebeu de MARIO NETO, secretário de planejamento à época (…). Basicamente, após receber R$ 88.000,00 da construtora C P ROSAS, MÁRIO NETO efetua esta transferência para FAGNER SALES, e ainda, não menos importante é o fato de que, quase um mês depois, MÁRIO NETO paga um boleto de R$ 93.644,04, EXATAMENTE o valor do JEEP COMPASS adquirido em nome da empresa E. F. J. SALES & CIA LTDA – ME, cujo sócio é FAGNER SALES”, diz o relatório policial.

Ilderlei Cordeiro foi cassado e continua como suspeito/Foto: reprodução

Há ainda outras transações suspeitas envolvendo o atual candidato do MDB e Francisco das Chagas Amorim (ele ocupou cargos em comissão na Saúde do município durante a gestão de Vagner Sales). Duas transferências chamaram a atenção da PF: uma, de R$ 36 mil, em 19 de novembro de 2015, e a outra de R$ 8 mil, no dia 9 agosto de 2017. Ambas feitas por Amorim a Fagner. Dois meses após a primeira transação bancária, Amorim recebeu um depósito de R$ 20 mil proveniente da conta corrente de titularidade da C P Rosas Construções.

Transações suspeitas

Afastado por 90 dias das suas funções na presidência da Assembleia Legislativa do Acre, por determinação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), Nicolau Júnior é um dos 20 implicados nas investigações da PF.  

Ele foi alvo da “Operação Acúleo”, em setembro deste ano, quando os policiais federais encontraram em sua residência, dentro de um cofre, mais de R$ 121 mil. Em nota, o parlamentar disse que o dinheiro era resultado de ‘atividades empresariais e de produtor rural’.

Dinheiro encontrado na casa de Nicolau Júnior/Foto: Polícia Federal

Principal ‘fiador político’ da candidatura de Zequinha Lima (PP) à prefeitura de Cruzeiro do Sul, Nicolau acabou sendo afastado da campanha eleitoral após a eclosão do escândalo.

No relatório da PF, foram descritos cinco lançamentos a débito na conta corrente de titularidade da construtora C P Rosas destinados a Nicolau Júnior, entre 2014 e 2016.

Diz o documento o seguinte: “Além disso, chama atenção também que quatro destes lançamentos não foram simples transferências. Via de regra, são depósitos feitos após um saque na conta corrente da construtora C P ROSAS (descrito como SAQUE COM CARTÃO), isso levanta indícios que tal tipo de lançamento pode ter sido feito para tentar ocultar o fluxo do recurso. Este tipo de operação acaba por esconder de imediato a origem e a destinação do montante, sendo necessário recorrer a outros documentos (fitas de caixa) para tentar elucidar remetente ou destinatário dos valores”.

Fac-símile do documento da PF que aponta suposto envolvimento de Nicolau Jr.

A PF afirma que esses lançamentos totalizam R$ 295 mil, oriundos da conta bancária da construtora. Os policiais federais analisaram o balanço da empresa do deputado para conferir se o valor se justificaria por meio de atividade produtiva, conforme ele alegou em nota. Mas os dados apontaram que apenas R$ 41,2 mil foram declarados como receita de venda de mercadorias no ano de 2016.

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