Dona Clotilde me fez refletir sobre a “falta de civilidade aceitável”

A coluna Papo de Elevador tem por finalidade levar questionamentos do nosso cotidiano a reflexões interpessoais. O que você pensa e como agiria em determinados assuntos. Via de regra, ela questiona e instiga o leitor, para que ele tire suas próprias conclusões sobre temas do nosso dia a dia. O portal estará republicando os textos mais lidos e outros inéditos. Boa leitura!

Já percebeu que sempre que estamos atrasados, pegamos o sinal fechado, não
achamos um pé da meia ou o elevador está parado “há horas” em algum andar? Tem
dias que acontece tudo isso junto, em uma sequência de imprevistos que
inevitavelmente nos leva a chegar atrasados ao nosso destino: perdemos a escova
de cabelo, não achamos o pé da meia (por que será que sempre perdemos só um pé
da meia?) e o elevador está preso em algum andar. Nestes dias o relógio parece
andar muito mais veloz que de costume.

E foi justamente em um desses dias que conheci a “nova” vizinha. Dona
Clotilde, do 502. Uma adorável senhora de aproximadamente 80 anos. Rígida… mais
lúcida do que eu. O que, convenhamos, não é grande feito. O elevador,
provavelmente na intenção de me atrasar ainda mais, parou dois andares abaixo
do meu, para que entrasse aquela velhinha de cabelos curtos e brancos, cheiro
de alfazema e olhar marejado.

– Bom dia, eu disse laconicamente.

Após me olhar de cima a baixo, ela respondeu:

– Bom dia, meu jovem.

E prosseguiu:

– Já percebeste o quanto algumas pessoas são hipócritas?

Nem deu tempo para eu responder que sim. Ela emendou imediatamente:

– Hoje cedo, no estacionamento da farmácia, um rapaz assim como você estava
ocupando a vaga destinada aos idosos. Ao perceber minha indignação, saiu-se com
essa: “Desculpe senhora, foi rapidinho. Só o tempo de comprar o remédio da
minha esposa”.

O elevador chegou ao térreo. Após respondê-la com um sorriso verdadeiramente
simpático, complementei:

– Também acho isso uma tremenda falta de civilidade. Tenha um bom dia.

–Bom dia para você também, que Deus te abençoe.

E partiu com seu pisar firme, sabe-se lá para aonde. Já tinha ido à
farmácia, talvez agora fosse a vez da padaria ou açougue.

Passei parte do dia refletindo sobre o que Dona Clotilde havia falado. Até
que ponto podemos desrespeitar direitos de terceiros para satisfazer nossas
necessidades imediatas? Podemos? Existe um limite tolerável para a falta de
civilidade?

Lembrei de um colega de trabalho que em um bate-papo cotidiano me disse:
“Vaga destinada a deficiente físico eu respeito, mas na do idoso eu estaciono
tranquilamente”. E o rapaz ainda embasou a sua postura: “Tem muita gente que
pega o carro do pai ou avô, que tem adesivo da terceira idade, e estaciona
nessas vagas. Por isso, se eu estiver com pressa, estaciono mesmo”.

Para esse jovem, os deficientes físicos merecem respeito, os idosos nem
tanto. Vai depender da sua pressa. Normalmente é esse tipo de cidadão que enche
o peito e bate na mesa do bar para vociferar contra a corrupção dos políticos
brasileiros. Acreditam, ou fingem acreditar, que sua “pequena” transgressão,
motivada pela pressa, “não é nada demais”. Segue colocando a culpa de todos os
problemas do país nos políticos e acreditando ser um bom cidadão. Não é! Quem
não respeita os mais velhos não é digno do meu respeito.

E do seu?

 

Gostou deste artigo?

Facebook
Twitter
Linkedin
WhatsApp

© COPYRIGHT O ACRE AGORA.COM – TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. SITE DESENVOLVIDO POR R&D – DESIGN GRÁFICO E WEB