Artigo: “Choros e sombras” esmiúça as relações políticas no Acre

O que há de revelador no choro de Luziel Carvalho? Ele foi rifado pela direção do Solidariedade em troca da manutenção dos aproximadamente 150 cargos no governo. O roteiro é velho: partido fisiológico, unido a um grupo sem projeto político definido, atrapalhado na gestão; promessa feita e não cumprida a um quadro da sigla.

Sem mácula por onde passou na gestão pública, Carvalho cobrou a fatura em episódio de ocupação da sede do partido: cena que reforça o circo de horror em que se transformou a crônica política local.

Para entender o gesto desesperado de Luziel, é preciso ouvir o colega dele Edimilson Ripardo, presidente da Executiva Municipal do Solidariedade, em áudio calculadamente vazado. A fala deste senhor é reveladora de um Acre que teima em não mudar; de um Acre que mente a si todo tempo e, sobretudo, de dois em dois anos.

No áudio, Ripardo explica aos correligionários os porquês de o grupo não acolher a pré-candidatura de Luziel Carvalho à Prefeitura de Rio Branco, condição prometida pelos caciques “solidários”.

O argumento mais óbvio e apressado contido no áudio é o seguinte: a manutenção de 150 cargos no Governo do Estado do Acre. E, segundo foi dito, a candidatura de Luziel poderia atrapalhar interesses do vice-governador Wherles Rocha e do governador Gladson Cameli. Mas há detalhes que gritam entre um cargo e outro, entre uma linha e outra. E são mais graves do que esses conflitos, comuns a toda corte.

“Agora, imagina: tem pessoas do grupo da ‘doutora’ [Vanda Milani] que desde 2014 vêm trabalhando. E agora tá na sombrinha, né? Ganhou e tal, conseguiu alguma coisa. Aí, imagina só: nós estamos um ano e meio na sombra e, de repente, a gente ter que largar essa sombra para ir para o sol de novo?”, confessa Ripardo.

Poucos raciocínios são tão acrianos como este do presidente da Executiva Municipal do Solidariedade. O movimento imposto entre a ideia do “Sol” e da “Sombra” explica o que somos pelos barrancos daqui. O Acre não está da maneira como está fortuitamente. E Ripardo soube explicar isso, mesmo sem querer.

Essa ideia expõe a mentira implícita no quase consenso de que o acriano é um “bicho que gosta de política”. Isso é, no máximo, uma verdade relativizada. Por aqui, o “gosto” pela discussão política vem na medida em que o cidadão vislumbra uma “sombra”. Não fosse isso, a Política passaria despercebida, como o é para muitos que não têm interesses diretos com o Palácio Rio Branco. Semelhante a tantos lugares do país. Nem mais, nem menos.

E Ripardo, logo no início da fala, quer fazer entender que ele defende os menos ilustrados. “A maioria da Executiva, por exemplo, tem cargos comissionados. E aí, todo mundo se viu (sic)… imagina nós que já temos uma qualificação, uma coisa nesse sentido e tal, enquanto que essas cento e poucas outras pessoas não têm, se verem desempregadas. Como é que essa turma toda… tá entendendo?… iria vestir a camisa do nosso pré-candidato, desempregada?”

O que Luziel ouviu da boca do presidente da Executiva Municipal pode ser resumido em uma sentença. “Luziel, não temos nada contra você, pessoalmente, nego véi! Mas ninguém vai se arriscar a desagradar aos reis para abraçar uma candidatura suicida, após sermos demitidos do governo!”

Luziel não é nenhum ingênuo na política. Sua luta em apoio a Gladson vem desde as articulações legislativas na “defesa” dos Soldados da Borracha. Há muito se sabia que a candidatura era um blefe. Alguma surpresa (talvez) encontre eco em perceber que a estratégia não tinha o aval do próprio Luziel (o acampamento na sede do partido sugere isso). A jogada estava arquitetada apenas pelos “solidários” da direção do partido.

Gladson e Rocha só não pulverizam politicamente o governo porque ainda tem muita “sombra” para negociar. O episódio mostra apenas o que até as samaúmas já sabem: em um lugar onde o Governo escolhe quem enriquece e quem empobrece, quem tem sua “sombra” a buscar que corra atrás. Ou chore na beira do barranco. Perceber a vida para além dessa lógica não foi semeadura de nenhum governo daqui. E será?

O que falta a Gladson Cameli é a construção de uma metáfora para dar norte à sua gestão. Ele não tem como construir isso agora. E nem terá. Sua eleição foi uma conveniência estruturada em uma negação: todos queriam tirar o PT. Conseguiram.

Agora o rei se vê rodeado por pessoas que lhe querem o lugar. E a única imagem que Cameli conseguiu conduzir foi exposta por Ripardo. O problema é que a oferta de “sombras” é uma moeda que sempre foi muito cara ao povo dos barrancos daqui.

Itaan Arruda é apresentador do programa Gazeta Entrevista, da TV Gazeta

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