Um relatório recente da Lancet Commission sobre carcinoma hepatocelular, principal tipo de câncer de fígado, revela que até 60% dos casos da doença poderiam ser prevenidos com o controle de fatores de risco como obesidade, hepatites B e C e consumo excessivo de álcool.
O câncer de fígado é hoje o sexto tipo de tumor mais comum no mundo, mas já ocupa a terceira posição entre as principais causas de morte por câncer. Segundo o levantamento, o número de novos casos deverá quase dobrar até 2050, saltando dos atuais 870 mil diagnósticos anuais para cerca de 1,5 milhão nas próximas décadas.
Diante desse cenário, o relatório propõe metas globais para conter o avanço da doença. Entre as recomendações estão a ampliação de campanhas de conscientização sobre os fatores de risco, o fortalecimento de programas de vacinação e diagnóstico precoce para hepatites virais, além da melhoria no acesso a tratamentos eficazes.
Atualmente, as principais causas do câncer de fígado são as hepatites virais B e C, o consumo excessivo de álcool e a esteatose hepática, condição caracterizada pelo acúmulo de gordura no fígado.
Esse câncer costuma surgir, em sua maioria, em pacientes que já têm ou tiveram outras condições hepáticas. “No passado, a maioria dos casos estava relacionada à hepatite C ou à cirrose causada pelo consumo excessivo de álcool. No entanto, com a ampliação dos programas de prevenção — como a testagem de sangue antes de transfusões — e a incorporação de tratamentos altamente eficazes contra a hepatite C no SUS, esses casos têm se tornado menos frequentes”, explica o oncologista Diogo Bugano, do Einstein Hospital Israelita.
Em contrapartida, os diagnósticos associados à esteatose hepática vêm aumentando, impulsionados principalmente pela alta nos índices de obesidade. O estilo de vida não é o único fator determinante, mas também influencia. “Sabemos que obesidade, diabetes, tabagismo e consumo de álcool aumentam o risco de sua ocorrência”, adverte o gastroenterologista e hepatologista Guilherme Felga, também do Einstein.
Segundo Felga, com tratamentos altamente eficazes para a hepatite C e vacinas disponíveis para a hepatite B, a tendência é de que essas doenças percam relevância nos próximos anos como causas de cirrose e câncer de fígado. Por outro lado, é provável que a esteatose hepática passe a ser a principal causa desses tumores.
Sintomas e prevenção
O câncer de fígado surge geralmente de forma lenta, a partir de doenças hepáticas crônicas que podem evoluir para cirrose. Por isso, há uma importante janela para prevenção, com medidas como vacinação contra hepatite B, tratamento da hepatite C, além de hábitos saudáveis — principalmente evitar álcool e tabaco, praticar atividade física e manter alimentação equilibrada.
Por ser uma doença silenciosa, e muitas vezes assintomática até fases avançadas, o diagnóstico precoce depende do reconhecimento dos fatores de risco e da realização periódica de exames de rastreamento, especialmente em pessoas com cirrose ou hepatite B.
“O grande problema é que essas doenças também são silenciosas até fases avançadas, por isso é fundamental ficar atento a pequenos sinais de sua presença ao longo do tempo, quer seja por sintomas às vezes inespecíficos, quer seja por alterações em exames de rotina”, diz Felga.
O diagnóstico precoce do câncer depende da identificação antecipada da cirrose. “Pacientes com história de consumo frequente de álcool, infecção pelo vírus da hepatite B ou C ou síndrome metabólica devem fazer ao menos uma ultrassonografia de fígado para avaliar risco de cirrose”, orienta Bugano.
Algumas alterações nos exames de sangue podem servir de alerta, como o aumento dos níveis das enzimas hepáticas TGO e TGP e a queda dos níveis de plaquetas. “Em um paciente que sabidamente tem cirrose, o recomendado é realizar ultrassom do fígado a cada seis meses”, adverte Bugano. Quando o diagnóstico é feito em fases iniciais, há possibilidade de cura com a retirada ou destruição completa dos nódulos.
O tratamento do câncer de fígado varia conforme o grau de comprometimento do órgão e o estágio do tumor — considerando tamanho, número de lesões e localização. As opções vão desde procedimentos minimamente invasivos até cirurgia, terapias sistêmicas (como imunoterapia e terapia molecular) e, em alguns casos, transplante.
“O desafio é que a maioria dos pacientes tem cirrose e, por isso, o fígado não tolera uma cirurgia ou outros procedimentos agressivos. Para esses, a opção curativa é o transplante hepático”, afirma o oncologista.
