Super comentada nas redes sociais desde sua estreia, WandaVision conta uma história que se passa no mundo dos quadrinhos e dos heróis. Apesar dessa contextualização aparentemente leve, a trama fala de algo complexo: a forma de se lidar com o luto .
A personagem Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen) sofre com diversas mortes, seu irmão, Mercúrio (Aaron Johnson), seu amor , Visão (Paul Bettany) e entre outros. A feiticeira não aguenta tamanha dor e acaba criando uma realidade paralela, onde estão todos vivos e vivendo uma vida perfeita, clássica de filmes americanos. Aos poucos, as coisas vão se revelando perigosas para Wanda e os moradores daquela cidade imaginária.
Encarar que um ente querido não é fácil e se tornou ainda mais difícil no contexto da pandemia, em que os rituais para assimilar a passagem, como os funerais, se tornaram restritos por razões de saúde pública.
Caroline Araújo, 24 anos e administradora, perdeu a mãe em 2016 para a luta contra o câncer. Ela conta que tudo aconteceu muito rápido, o tempo entre o diagnóstico e a morte foi pequeno.
“Tinha dias que eu levantava da cama para fazer algo e enquanto estava fazendo isso, minha perna perdia toda a força e eu caia no chão chorando. Você entra em um mundo de desespero. Eu entrava em um nível que pensava que não ia mais sair. Depois ficou um pouco mais tolerável, mas às vezes eu passava por algum lugar que eu via ela e começava a chorar desesperadamente. Eu fiquei dois meses praticamente sem fazer nada”, diz.
Receber a notícia de outro país é ainda mais difícil. Larissa Velozo, de 24 anos, é Au Pair nos Estados Unidos e, recentemente, passou pela perda de sua avó. “O fato de eu estar longe só tornou pior. Nos primeiros dois dias a única coisa que eu sabia fazer, era chorar. (…) Parece muito bizarro, mas não consegui entender o que é morrer, como assim ela morreu, como assim o corpo dela não está mais lá? Não entra na minha cabeça.”, conta.
A situação descrita por Larissa é parecida com a de Wanda, que na série não consegue aceitar a separação de Visão, fazendo ele reviver de forma imaginária.
Nessas situações de perda é normal experimentar um forte abalo psicológico. Conforme explica a psicóloga Kátia Rosa: “O estado psicológico se altera profundamente: pensamentos negativos, sensação de desamparo, medos, tristeza, muitas vezes pensamentos em desistência, ideias suicidas em casos mais graves”.
A profissional diz que se esse quadro persistir, ele pode desencadear doenças metabólicas como hipertensão, cefaleias, gastrite, depressão, síndrome de burnout e vários outros distúrbios psicológicos.
No caso de Larissa, a situação desencadeou crises de ansiedade. “Eu tenho certeza que me afetou psicologicamente, falei com uma tia e lembrei dela. Eu não consegui dormir direito desde a notícia e minha ansiedade atacou em um nível que eu fui notar na quinta (25) que a minha última refeição tinha sido segunda-feira (22)”.
Não existe receita para lidar com o luto
Por mais difícil que seja, é preciso não se perder na dor e entender que a morte faz parte do ciclo da vida. A especialista em comportamento Anna Carolyna Diniz explica que, primeiro, é importante entender que não existe uma fórmula mágica para a superação do luto.
Você viu?
A especialista diz que existe o luto natural e o luto patológico, aquele que a pessoa se afunda e não consegue sair. “Uma das coisas que ajudam muito uma pessoa a superar o luto é quando ela foca na gratidão, na gratidão daquilo que ela viveu com a pessoa, na gratidão daquilo que ela passou junto, todos os bons ensinamentos, bons momentos que ela teve com aquela pessoa”, diz.
O psicólogo analítico Kleber Marinho conta que viver o luto, de fato (sentir as dores, se permitir chorar e ficar triste, buscar apoio de pessoas próximas) é muito importante. “Quem vive essa fase quase sempre apresenta condições de sair melhor da situação, pois com o tempo a pessoa vai aceitando e, assim consegue simbolizar, isto é, transformar aquela perda em um curso natural, resgatando memórias que trazem saudade e encontram um lugar de acolhimento”, diz.
Se atente aos sinais
É importante saber o limite entre o luto prestes a virar um distúrbio psicológico. O momento também pode desenvolver vícios como álcool, tabagismo e outras drogas, como explica Kátia. É muito importante se atentar aos sinais como falar só do assunto, se isolar ou criar fantasias de uma suposta superação.
“É completamente aceitável que uma pessoa fique abalada por um tempo, fique sem vontade de comer, de fazer suas atividades cotidianas, de trabalhar ou estudar. Mas como tudo na vida, devemos conseguir, aos poucos, superar e retomar a vida, mesmo que seja ainda com lembranças dolorosas, momentos de tristeza ou choro”, completa Kleber.
É importante se permitir o luto
O processo é em etapas, a negação, a raiva, a negociação, a tristeza e a aceitação. Maurício Patrocinio, especialista em felicidade e relacionamentos interpessoais, explica ser absolutamente necessário se permitir viver o luto.
“Não é algo simples, mas eu acredito que para superar, você precisa primeiro se respeitar e se dar conta da perda. Permitir sim, aquela tristeza que vem e todos os sentimentos que existem aí”. Assim como explica o especialista, é bom lembrar que tudo passa, seja bom ou ruim. “Se já aconteceu, aconteceu. Se não tem mais nada que eu possa fazer, eu devo lamentar, sentir a dor, digerir, cicatrizar, permitir o tempo curar. É o grande ponto”.
Depois de cinco anos, Caroline conta que toca a vida, se permite lembrar e sente mais saudade do que tristeza, mas o luto ainda é presente. “Até hoje, acontece algo muito incrível e eu penso que preciso contar para ela. Aí volta aquela coisa de não ter ela. Hoje em dia, não tenho mais essa questão do choro, do surto e do desespero, mas por frações de segundos, ainda realmente acho que ela vai entrar em casa.”