O bar era um típico botequim tijucano, com iluminação ruim e mesas de madeiras desgastadas pelo tempo, com cadeiras que balançavam quando se sentava. Noite de quarta-feira, meio da semana, não estava tão cheio. Nem vazio. O som da vitrola se misturava com os das risadas e bate-papos das mesas vizinhas. Eu necessitava de três cervejas antes de ir para casa, pós um dia puxado no trabalho.
Depois de perguntar o nome do garçom, para evitar o chato e deselegante “psiu”, pedi:
– Ronaldo, uma Brahma e uma porção de azeitonas pretas temperadas, por favor.
Na mesa ao fundo, uma turma falava bem alto. Debatiam sobre a superstição e seu impacto na vida das pessoas. O assunto deles estava mais interessante que a música. Optei por ouvi-los.
– Minha vó não deixava um chinelo virado de cabeça para baixo. Dizia que “fazia mal”. Imagina viver toda uma infância e adolescência com essa tensão, sem poder deixar um chinelo virado.
Disse rindo, uma moça que aparentava uns vinte e poucos anos de vida.
Na outra ponta da mesa, outro jovem balançava negativamente a cabeça enquanto afirmava que superstição é coisa que se passa de geração para geração, que nunca mudaria.
– Minha mãe até hoje coloca um ramo de arruda atrás da porta para espantar o mau-olhado. E olha que ela é médica! Vive em um meio científico, mas não larga essas crenças.
Me desliguei um pouco da mesa alheia para lembrar que antes de entrar em campo, muitos atletas de esportes coletivos, como futebol e vôlei, fazem questão de pisar com o pé direito primeiro. Esse gesto, ligado à superstição de “entrar com o pé direito”, é visto como uma forma de atrair sorte e afastar o azar durante a partida. Assim como essa, outras crenças populares estão espalhadas pelo mundo, como bater na madeira, evitar gatos pretos e não passar por baixo de escadas, todas destinadas a evitar “coisas ruins”.
– A superstição dá uma falsa sensação de controle sobre o desconhecido. Quando a vida fica imprevisível, a gente se agarra a qualquer coisa que possa trazer segurança, nem que seja um amuleto ou uma reza.
Esbravejou outra moça da mesa, me fazendo voltar a pensar sobre o assunto debatido por eles.
As superstições, apesar de serem vistas como ilógicas e irracionais, parecem estar mais presentes na sociedade do que se admite. Pesquisas que tentam medir diretamente a crença em superstições geralmente subestimam sua real importância para as pessoas. Um levantamento realizado pela empresa de opinião pública Gallup, em 1996, nos Estados Unidos, revelou que apenas 1% dos americanos se descrevia como “muito supersticioso”, enquanto 24% afirmaram ser “de alguma forma supersticiosos” e 47% disseram não acreditar em superstições.
No entanto, mesmo que muitas pessoas neguem acreditar nessas crenças de forma consciente, suas atitudes podem sugerir o contrário. Um exemplo disso são as estimativas que indicam um impacto econômico significativo relacionado à superstição. Nos EUA, as sextas-feiras 13 geram um prejuízo estimado de US$ 900 milhões anuais para os negócios, causado pela relutância das pessoas em realizar determinadas atividades nesse dia.
O filósofo Edmund Burke escreveu que “a superstição é a religião das mentes simples”.
Na mesa, as opiniões variavam, mas havia um consenso: a superstição, por mais absurda que possa parecer, tem um peso significativo na vida de muitas pessoas. É uma forma de trafegar pelos mistérios da vida, de tentar evitar o incontrolável.
A conversa seguiu animada, com cada um lembrando de histórias familiares, de simpatias e rituais que faziam parte de suas rotinas. Na vitrola, um samba de Martinho da Vila. As três cervejas já tinham virado sete. E eu, que “não sou supersticioso”, acredito que número ímpar dá azar.
– Ronaldo, me traga a saideira e a conta, por favor.