O Senado promoveu, nesta sexta-feira (20), o lançamento digital do livro A Abolição no Parlamento (1823-1888) – 65 anos de Lutas. O lançamento faz parte das celebrações do Dia da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro — a data foi escolhida em homenagem ao líder negro Zumbi dos Palmares (1655-1695). O evento de apresentação da obra digital ocorreu com um debate no programa Cidadania, da TV Senado, que contou com as participações do senador Paulo Paim (PT-RS) e da professora Ângela Alonso, do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP).
A professora Ângela Alonso ressaltou que a abolição é um tema sempre presente na história do Brasil, foi o país foi construído sobre a escravidão. Ela apontou, no entanto, que o assunto sempre foi adiado quando chegava ao Parlamento. Algumas pautas, como a proibição do tráfico negreiro, eram tratadas de forma secreta. Segundo a professora, o tema era evitado porque a escravidão era uma questão central na sociedade brasileira — pois sustentava a economia nacional.
— Não virava uma agenda efetiva. Só depois, na década de 1860, o assunto se tornou inevitável, pois o Brasil havia se tornado a última nação escravista do mundo. Sempre foi um tema difícil porque metade do Parlamento era escravista, assim como a maioria da sociedade brasileira — destacou Ângela.
Para o senador Paulo Paim, o debate sobre a posição parlamentar histórica acerca do racismo é importante, pois “o povo que não conhece o passado não avança no presente e não consegue projetar seu futuro”. Na opinião de Paim, o racismo brasileiro é pior do que o dos Estados Unidos, pois naquele país, “pelo menos, eles assumiram” que há racismo. Ele celebrou o fato de os estadunidenses já terem tido um presidente negro, Barack Obama (2009-2017), e de terem acabado de eleger Joe Biden, que tem como vice-presidente uma negra, Kamala Harris.
Leis
O jornalista Maurício Melo, que intermediou o debate no programa Cidadania, lembrou que algumas leis aprovadas contra a escravidão funcionavam, na verdade, como um paliativo. Ele citou a Lei do Ventre Livre (1871), que libertava os filhos das escravas, e a Lei do Sexagenário (1885), que libertava escravos aos 60 anos.
Na mesma linha de raciocínio, a professora Ângela Alonso disse que essas leis não foram pensadas como leis de aplicação efetiva. Segundo a professora, havia um prazo de oito anos para a Lei do Ventre Livre entrar em vigor. Além disso, o escravo ficava sob a responsabilidade de seu senhor até os 21 anos. Na prática, os filhos da Lei do Ventre Livre só se tornaram livres com a Lei da Abolição da Escravatura, em 1888. Ângela ainda lembrou que, originalmente, a Lei da Abolição previa compensações para os escravos, como salário mínimo e incentivo a pequenas propriedades rurais.
— Foi aprovada de uma forma simples e singela, sem dizer quem iria fiscalizar e o que iria acontecer com o ex-escravos. O Brasil tem a tradição de produzir leis, mas com um movimento da sociedade que impede sua aplicação — alertou a professora.
Paulo Paim lamentou o fato de muitas leis a favor da igualdade racial demorarem tanto para serem aprovadas no Congresso Nacional. Ele disse que lutou desde a Assembleia Constituinte (1988) para aprovar uma lei que tratasse das questões raciais, mas que foi somente em 2010 que o Estatuto da Igualdade Racial se tornou lei (Lei 12.288, de 2010). Paim, que é o autor do projeto que deu origem ao estatuto, afirmou que “não é possível que o Brasil ainda viva um apartheid“.
— Eu quero construir caminhos, inspirado em Martin Luther King e Mandela, que sonhavam que brancos e negros sentassem à mesma mesa e dividissem o mesmo pão — declarou o senador.
Carrefour
De acordo com a professora Ângela, é importante ressaltar que o debate sobre a escravidão precisa lembrar a existência dos escravistas, da mesma forma como o debate sobre o racismo não pode prescindir da existência dos racistas. Ela lamentou a morte de João Alberto Freitas, um homem negro de 40 anos, que foi espancado por seguranças de um supermercado da rede Carrefour em Porto Alegre (RS) nesta quinta-feira (19). Segundo a professora, é preciso identificar os agentes do racismo nessa e em outras situações.
Paim também lamentou mais um caso de racismo envolvendo o Carrefour e anunciou que vai apresentar um convite para que representantes da rede expliquem as ocorrências. Ele classificou a atuação dos seguranças como uma “covardia”, e disse que todos ainda precisam “trabalhar muito” para vencer o racismo. O senador defendeu as cotas raciais, como “um meio, e não como um fim”, como forma de vencer o preconceito racial e permitir que mais negros se posicionem no mercado de trabalho.
A obra
O livro A Abolição no Parlamento está disponível para download gratuito no site da Livraria do Senado. Dividido em dois volumes, com 1.420 páginas, o livro apresenta um sumário cronológico dos eventos que desencadearam a abolição da escravidão no Brasil. São apresentados na obra as fases mais importantes do processo, o ideário favorável e o contrário à escravidão, textos relacionados, debates e pronunciamentos dos personagens à época. A edição impressa pode ser encomendada pelo preço de R$ 40.
A diretora-geral do Senado, Ilana Trombka, lembra que a primeira edição foi publicada em 1988, em comemoração ao centenário da Abolição. A segunda saiu em 2012, já adaptada ao novo acordo ortográfico. Esta terceira edição, segundo Ilana, surge em um momento em que a sociedade brasileira questiona a ideia tão arraigada de que o Brasil é uma democracia racial.
Ilana pondera que, infelizmente, a igualdade legal ainda não se manifesta na realidade. Ela ainda registra, no prefácio da obra digital, que “o racismo ainda se faz presente em nosso tecido social e a sua erradicação exige uma ação conjunta, coordenada e consciente de toda a sociedade”.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)