– Samuca, por gentileza, um chope com dois dedos de colarinho e meia porção de calabresa acebolada.
Samuca era o garçom mais mal-humorado que eu já tinha visto na vida. Mas era boa gente.
O bar estava cheio, fiquei no balcão esperando vagar uma mesa. Ao meu lado, dois caras de aproximadamente 50 anos de idade conversavam sobre “o quão a vida era melhor algumas décadas atrás”.
– Hoje em dia tudo é bullying, uma chatice. – Esbravejou um deles. O amigo concordava e ria.
Dalí para frente, o papo deles foi só saudosismo relacionado a programas de TV, brincadeiras infantis, músicas etc…
O bullying começou a ser pesquisado há aproximadamente 20 anos na Europa, quando se descobriu que ele estava por trás de muitas tentativas de suicídio entre adolescentes. Sem receber a atenção da escola ou dos pais, que geralmente achavam as ofensas “bobas”, a criança recorria a uma medida desesperada.
O jornalista e poeta Carlos Ávila diz que “quem pratica bullying condena a alma de uma criança ao sofrimento.
É comum hoje em dia, em especial nas redes sociais, expressões como: “um zoava o outro na escola e ficava tudo bem, não tinha problema algum.” ou “Essa é a geração mais sem graça da história, ninguém pode dizer nada.”
Quem fala isso com certeza não sofreu bullying, e nem viu nenhuma pessoa amada sofrendo. É possível, inclusive, até que tenha praticado, ou apenas observasse, em um silêncio delinquente.
Segundo matéria do Jornal Hoje, da Rede Globo, A aparência física é um dos principais motivos de bullying nas escolas, um problema considerado de saúde pública. O número de casos de jovens submetidos a situações de humilhação vem crescendo, de acordo com pesquisa do IBGE sobre a saúde do estudante brasileiro. Ainda de acordo com a matéria, 46,6% dos estudantes do país disseram já terem sofrido bullying.
Fiquei olhando para os dois e pensando no que leva alguém a achar normal, ou até mesmo engraçado, alguém sendo humilhado por conta da aparência física, classe social ou qualquer outro motivo. O bullying é uma brincadeira onde uma parte se diverte e a outra sofre.
A escritora e palestrante, Andrea Taiyoo, disse que “A criança que pratica bullying com os amigos, o faz porque infelizmente não aprendeu nada diferente disso.”
Imaginei como seriam os filhos dos caras da mesa ao lado e me bateu uma grande tristeza. Não me restou outra alternativa a não ser pedir ao Samuca que suspendesse a calabresa e me trouxesse a conta. Fui beber no bar do outro lado da rua.