– Não interessa, mãe. A senhora não tem esse direito. É a minha privacidade. Já tenho 17 anos.
A mãe lançou para ela um olhar penetrante seguido de uma piscadela e um leve jogar de cabeça em minha direção. Como se pedisse que a filha parasse com o assunto, porque tinha mais gente no elevador.
Eu permaneci com o olhar fixo, fingindo não estar ouvindo a revolta da guria. E esta prosseguiu, ignorando os apelos da mãe e pouco se importando com a minha presença.
– A senhora não pode pegar o meu celular e remexer nas minhas individualidades. Isso é falta de respeito.
A mãe neste instante estava com o olhar mais fixo que o meu. Como que torcendo para que o elevador chegasse logo ao seu destino. Chegou, e elas desceram apressadas sem que me dirigissem sequer um “olá”.
Fui para o trabalho com aquele episódio a me martelar a cabeça. Pode alguém “invadir” o celular alheio e vasculhar a vida de outra pessoa? Qual a tênue linha que separa o cuidado da invasão de privacidade ou o zelo do abuso?
Pode uma esposa ou marido se apropriar totalmente da vida do cônjuge, ao ponto deste não ter mais direito a um bate-papo mais íntimo com um familiar ou amigo? Ao casar preciso necessariamente abdicar das minhas individualidades? Casamento é soma ou subtração? Ao casar eu ganho ou perco direitos?
Qual é o limite dos pais em relação à individualidade dos filhos? Ou não existe limite para pai e mãe? Podem vasculhar tudo sempre? Até qual idade? Os filhos de hoje, por conta da tecnologia, perderam o direito de ter segredos?
Acredito que ao ter sua vida absurdamente remexida, o jovem pode sentir que de nada adianta ter um bom comportamento. Seus pais já não confiam nele. E por conta dessa desconfiança, mergulham fundo nas suas intimidades, sob o pretexto de cuidado, zelo e amor. É menos trabalhoso vasculhar do que entender os filhos. Acredito que também seja menos eficiente.
O jovem pode te enxergar como uma pessoa que invade todos os seus “segredos mais profundos”. Um filho não tem direito a segredos? Pratico em minha casa uma relação de confiança com meu filho adolescente. Sem invasão de privacidade. Preciso aceitar os segredos dele. Tem coisas que um filho não se sente à vontade em conversar com pai ou mãe. E isso ocorre em qualquer idade. Na adolescência, entretanto, isso se torna mais comum. O que me importa de fato é ele saber que quando o calo apertar e o coração doer, o pai estará aqui. Não posso transformar a vida do meu filho no meu BBB exclusivo. Posso?
Não é desejo de ninguém que o filho seja rebelde, use drogas ou faça coisas ainda piores. E é exatamente esse medo que me afasta de exercer um controle excessivo sobre meu filho. Acredito que esse controle excessivo pode causar um efeito contrário ao desejado: afastar o meu filho de mim. Confiança se conquista. Não se toma.
E você, em que acredita? Até que ponto podemos revirar e remexer individualidades de esposas, maridos, filhos ou colegas de trabalho, que eventualmente tenham esquecido o celular sobre a mesa do escritório? Qual é o limite tolerável para a “bisbilhotice”? Existe um limite?