O Caso Evandro Ramos Caetano, ocorrido em 1992 em Guaratuba, Paraná, é um dos crimes mais controversos da história recente do Brasil. Envolvendo supostos rituais de magia negra, confissões sob tortura e uma batalha judicial que durou décadas, esse caso levantou discussões sobre práticas de investigação policial, manipulação da mídia e abusos de poder.
Em 6 de abril de 1992, Evandro Ramos Caetano, um menino de seis anos, desapareceu quando estava a caminho da escola. Sua família imediatamente iniciou uma busca, que se intensificou com a ajuda de vizinhos e voluntários. Contudo, cinco dias depois, o corpo de Evandro foi encontrado em um estado brutalmente mutilado em uma área de mata.
A descoberta chocou a cidade de Guaratuba, uma cidade pacata no litoral do Paraná, e rapidamente atraiu a atenção da mídia nacional. Com a pressão para encontrar os responsáveis pelo crime, a investigação policial teve um desdobramento inesperado.
Em meio à investigação, a polícia começou a concentrar suas suspeitas em um grupo de pessoas influentes na cidade, entre elas Beatriz Abagge e sua mãe, Celina Abagge, que era esposa do então prefeito de Guaratuba. De acordo com as investigações iniciais, Beatriz e Celina teriam participado de um ritual de magia negra com a ajuda de outras pessoas para sacrificar o menino Evandro em um suposto ato de feitiçaria para garantir poder e prosperidade.
Essas acusações foram construídas com base em confissões que os acusados fizeram à polícia. No entanto, mais tarde surgiram alegações de que essas confissões foram obtidas sob tortura, levantando sérias dúvidas sobre a legalidade e a veracidade das informações. Laudos e testemunhos indicavam que os acusados foram submetidos a técnicas violentas e pressões extremas para confessar um crime que, segundo eles, não cometeram.
As gravações das confissões e imagens das investigações logo vieram a público, aumentando ainda mais a pressão sobre o caso e dividindo a opinião pública. Com o tempo, vários dos acusados afirmaram que haviam sido torturados pela polícia para confessar o assassinato. Entre as supostas técnicas utilizadas estariam choques elétricos, privação de sono e ameaças de agressão física e psicológica.
Essas revelações lançaram uma nova luz sobre o caso, especialmente quando ficou claro que as confissões continham contradições e informações que não correspondiam aos fatos da investigação. Em 2004, o caso foi parcialmente reaberto, e algumas condenações foram revistas, com novos recursos sendo interpostos.
A investigação científica e a grande dúvida
Ao longo dos anos, o Caso Evandro foi revisitado por diversas autoridades e peritos independentes, que questionaram a coerência das provas. Em 2019, o caso voltou aos holofotes com o lançamento do podcast “Projeto Humanos: O Caso Evandro”, de Ivan Mizanzuk, que trouxe novas informações e expôs inconsistências na investigação inicial.
As perícias realizadas na época, por exemplo, indicaram que as mutilações no corpo de Evandro poderiam ter sido feitas após a morte, o que era inconsistente com a teoria do sacrifício ritualístico. Além disso, especialistas apontaram que não havia provas físicas que ligassem diretamente os Abagge ou os outros acusados ao local do crime.
O caso teve enorme repercussão nacional e abriu um debate sobre a ética da polícia e dos métodos de investigação no Brasil. A confissão sob tortura, o uso de informações manipuladas e a exploração midiática do caso são hoje vistos como exemplo de injustiça e de falhas do sistema judiciário.
Após décadas de embates legais, muitos dos acusados conseguiram absolvição ou revisão de suas penas. Beatriz e Celina Abagge, em particular, foram absolvidas em um segundo julgamento em 2011, embora o impacto das acusações sobre suas vidas e reputações tenha sido imenso.
O Caso Evandro não é apenas uma história de crime, mas um marco para as investigações policiais e judiciais no Brasil. Ele expôs as consequências de uma justiça pressionada pela opinião pública e pela mídia e levantou questões sobre o respeito aos direitos humanos no contexto das investigações criminais. Mesmo com a absolvição de alguns acusados, as dúvidas sobre o que realmente aconteceu em Guaratuba naquela fatídica semana de 1992 permanecem.
Este caso não apenas abalou uma cidade pequena, mas também ecoou em todo o país, marcando um alerta sobre a necessidade de uma justiça justa e de investigações conduzidas com integridade.
Amaro Alves foi repórter de polícia até se aposentar, em 2009; vive atualmente em Belém (PA), de onde escreve com exclusividade para oacreagora.com