Jorge: a estratégia para voltar ao Senado que revela não haver estratégia nenhuma

Depois de ser humilhado duas vezes nas urnas, Jorge Viana reapareceu nesta segunda-feira (17) para uma conversa com lideranças do que restou do PT no Acre. O encontro, realizado na casa do ex-governador, serviu para ele anunciar o que todo mundo já sabia: vai tentar de novo uma vaga no Senado em 2026. A surpresa não está na candidatura, mas na estratégia — ou na ausência dela.

O plano, segundo o próprio Jorge, é se inspirar em 1994, quando o partido lançou Marina Silva sozinha ao Senado. Deu certo. Ela venceu com votação histórica e virou a senadora mais jovem da história do Brasil. Quase 30 anos depois, Viana quer tentar o mesmo — mas há um pequeno detalhe: o cenário mudou, e muito.

Naquela época, o PT ainda engatinhava no Acre. Foi só com a eleição de Jorge Viana ao governo, em 1998, que o partido virou uma potência no estado, conquistando prefeituras, bancadas e corações. Durante anos, dizia-se por lá que Jorge elegia até poste. Hoje, o poste está de pé — e o partido, desmontado.

O PT não tem mais deputado estadual, nem federal, nem prefeito em nenhuma cidade do Acre. E nas últimas eleições, elegeu apenas um vereador na capital. Isso mesmo: um. E é com esse lastro que se fala agora em “recomeçar a história”.

Mas Jorge Viana está animado. Disse que aceita o “chamamento” e sugeriu um projeto coletivo. Segundo ele, o PT deve tentar “ter dois votos” para “ver se elege um senador”. É bonito no discurso — mas esbarra na velha máxima de Garrincha.

Reza a lenda que, ao ouvir do técnico Vicente Feola a estratégia para vencer os soviéticos na Copa de 1958 — que incluía jogadas pelas pontas e cruzamentos na área — Garrincha, com a naturalidade dos gênios, teria perguntado:
“Tá legal, mas já combinaram isso com os russos?”
A frase virou sinônimo de planos que desconsideram a realidade do outro lado.

No caso de Jorge Viana, os “russos” são os eleitores acreanos, que nas últimas duas eleições rejeitaram seu nome com gosto: primeiro, quando tentou voltar ao Senado; depois, quando disputou o governo em 2022. Em ambas, perdeu — e perdeu feio.

Participaram do encontro figuras conhecidas, como o ex-governador Binho Marques e o vereador André Kamai — provavelmente o último representante petista a ocupar uma cadeira eletiva no estado. Foi uma reunião simbólica, quase litúrgica, de um grupo que já foi governo e agora luta para ser lembrado.

Jorge tem razão quando diz que “ninguém se elege senador, a gente é eleito”. E isso passa, obrigatoriamente, por mais do que articulações internas. Passa por votos reais, de pessoas que hoje associam o PT a um passado distante — e, em muitos casos, indigesto.

A estratégia de “voltar às origens” pode até soar poética. Mas em política, poesia sem voto é só retórica. E repetir 1994 sem o mesmo partido, sem a mesma base e sem o mesmo prestígio é como montar um time e esquecer de combinar com os russos.

Ou melhor: com o eleitorado do Acre.

*Sandoval Nogueira é professor

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