Eu, Dona Clotilde e o desprezível racismo estrutural no Brasil


Havia muito tempo que não encontrava com Dona Clotilde no elevador ou portaria. Já falei sobre essa amável anciã aqui neste espaço. Sobre o dia em que ela estava revoltada com um jovem que havia estacionado o veículo na vaga destinada a idosos. Mas nesta manhã, porém, Dona Clotilde estava mais calada e introspectiva.

– Bom dia, Dona Clotilde, quanto tempo não encontrava a senhora – falei.

– Bom dia, meu jovem – ela respondeu sem me ofertar sequer um sorriso.

Insisti na conversa.

– Tudo bem com a senhora? Saúde boa?

– Meu jovem, viste algo sobre a assassinato brutal do homem que fora confundido com bandido na saída do shopping? – perguntou.

Afirmei com um balançar de cabeça.

– Viste também que toda a mídia insiste em dizer que o homem morto era negro e que os seguranças eram brancos?

Não respondi nada. Ela prosseguiu:

– O que aconteceu ali foi um assassinato absurdo e brutal. Abuso de autoridade e não racismo como querem nos fazer acreditar. Quem morreu foi um homem, quem matou, foram outros homens. Sem essa de cor. Isso é sensacionalismo barato.

Mas uma vez nada falei. O elevador chegou ao térreo e me despedi.

– Fique com Deus, Dona Clotilde.

– Vá com ele – finalizou ela.

Não achei que Dona Clotilde e eu, brancos e socialmente privilegiados, éramos as pessoas mais adequadas para debater se houve ou não motivação racial no assassinato em questão ou se existe ou não racismo no Brasil. Acho meio repulsivo quando um branco afirma não haver racismo no país. Já percebeu que só quem é branco diz que no Brasil não existe preconceito racial? Já viu algum negro dizendo não existir racismo no país? Sabe por que nunca viu? Porque são eles que sofrem com o preconceito cretino e o racismo estrutural todos os dias. E não pessoas como eu e Dona Clotilde.

Segundo o censo de 2010, 47,51% da população brasileira é branca, enquanto pretos e pardos somam 50,94%. Mas, de acordo com o Atlas da Violência, o negro tem 78,9% mais chance de ser vítima de homicídio do que o branco. Será coincidência?

O feminicídio também tem cor no Brasil. Entre 2003 e 2013, o número de mulheres negras assassinadas cresceu 54% e o de mulheres brancas caiu 10% neste mesmo período. Nas escolas particulares, 75% dos alunos são brancos, já nos presídios, 67,7% são pretos. Será que os brancos gostam mais de estudar enquanto os negros preferem a vida bandida? Nos grandes escritórios de advocacia de São Paulo, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a participação de negros e negras é de apenas 1%.

Lembrei de um amigo que certa vez tentou me calar em um bate-papo informal, sobre o preconceito enraizado no Brasil contra negros e gays, dizendo que ali não era o meu lugar de fala, e que, portanto, eu não deveria emitir opinião sobre o assunto. Quanta bobagem. Acredito que se fico neutro em uma situação de injustiça, estou escolhendo ficar ao lado do mais forte.

Como disse um dos maiores líderes da história, Nélson Mandela, “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”.

E você, ainda acredita não haver preconceito racial no Brasil? O que de fato temos feito, como país e cidadãos, para mudar esse comportamento?

Rodrigo Farias, colunista, escreve semanalmente para o oacreagora.com

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