De atendente de fast-food a rainha do crime: a trajetória de Carla de Mello

Imagine uma mulher que, aos 36 anos, vivia em mansões luxuosas, viajava pelo mundo e gastava milhões de reais anualmente com o aluguel de propriedades de alto padrão. Uma vida de ostentação tão exagerada que parecia de outro mundo, um conto de fadas moderno repleto de lanchas, jetskis e viagens internacionais. Mas por trás desse estilo de vida estava Carla Oliveira de Mello, uma mulher que soubera como transformar o crime em riqueza, fazendo da lavagem de dinheiro seu império.

A jornada de Carla, suspeita de lavar o dinheiro do tráfico de drogas no Rio de Janeiro, começou com uma única certeza: ela não nasceu em berço de ouro. Aos 18 anos, seu único emprego conhecido foi como atendente de fast-food. No entanto, a vida de Carla tomou um rumo inesperado, e ela se viu no centro de uma trama de tráfico e lavagem de dinheiro que a catapultou para o topo de uma rede criminosa.

O caminho para o poder de Carla foi pavimentado pelo tráfico de drogas das favelas de Antares e Rodo, em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, locais controlados pela facção Comando Vermelho (CV). Nesses territórios dominados pela violência, ela serviu de laranja para o traficante Léo do Aço, que, mesmo após sua morte em 2019, deixou para trás uma rede de conexões e operações financeiras que Carla soubera administrar com habilidade. A operação policial “Rainha de Copas”, deflagrada em 2021, revelou como ela, com um movimento quase invisível, manipulava e gerenciava milhões de reais. Durante a investigação, foi descoberto que Carla movimentou cerca de R$ 7 milhões em sua conta bancária nos últimos três anos.

A ascensão e o império de luxo

Os detalhes dessa história são como um roteiro de filme. Ao lado de seu companheiro, o cabo da PM Franco Guayanaz, Carla construiu um império de ostentação. Os policiais da Delegacia de Combate ao Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro (DCOC-LD) foram responsáveis por desmascarar a dupla. O dinheiro sujo foi canalizado por empresas de fachada, como uma firma de material descartável e uma empresa de aluguel de lanchas, que nunca alugou sequer uma embarcação. Mesmo sem uma explicação plausível para tanto dinheiro, o casal seguiu adquirindo propriedades de luxo, tanto no Rio quanto em Santa Catarina.

Em Santa Catarina, a dupla vivia em uma mansão de Jurerê Internacional, conhecida por ser um dos bairros mais caros da região, onde o aluguel anual chegava a R$ 360 mil. A eles também pertenciam uma cobertura em Balneário Camboriú, que custava R$ 140 mil por ano, e uma residência no condomínio Mansões da Barra, um dos mais renomados no Rio de Janeiro, que demandava um aluguel de R$ 340 mil anuais. Mas a ostentação não parava por aí. Carla e Franco também possuíam uma casa de veraneio em Mangaratiba, na Costa Verde, onde o aluguel era de R$ 312 mil ao ano.

A vida de luxo incluía carros de alto padrão, embarcações de luxo e gastos extravagantes. Carla postava nas redes sociais fotos de suas viagens internacionais e das lanchas de luxo que possuía, como se estivesse distante de qualquer investigação policial. Mas por trás dessa fachada, o dinheiro que financiava essa ostentação vinha de transações ilícitas.

Lavagem de dinheiro: as empresas de fachada

As investigações indicaram que Carla, com a ajuda de Franco e outros membros da quadrilha, usava suas empresas de fachada para lavar o dinheiro proveniente do tráfico de drogas. De acordo com os agentes da DCOC-LD, um dos métodos utilizados foi o depósito de grandes quantias em contas dessas empresas. Além disso, Carla também foi identificada como parte de uma rede que movimentou cerca de R$ 15 milhões através de suas empresas e de outras conexões criminosas.

Ela não era apenas uma mera intermediária: Carla soubera como gerenciar recursos com precisão, transformando dinheiro sujo em um patrimônio de luxo, e tudo isso sob a fachada de uma mulher comum, com um passado simples e sem qualquer ligação direta com grandes riquezas.

Mas para entender o vínculo de Carla com o tráfico, é necessário voltar ao seu passado. Ela foi casada com Silvestre André da Silva Felizardo, um ex-PM do Batalhão de Operações Especiais (Bope), preso em 2015 por fornecer informações privilegiadas sobre operações policiais para traficantes. Esse ex-marido, que também foi alvo da operação “Rainha de Copas”, estava intimamente ligado a Léo do Aço e desempenhou um papel crucial na distribuição de informações entre a polícia e o tráfico.

Em 2021, a operação que desmantelou o império de Carla teve um papel decisivo em sua queda. A ação, que envolveu a busca e apreensão de propriedades e documentos, revelou como o casal usava o sistema financeiro e as empresas de fachada para esconder os lucros do tráfico. Carla e Franco não apenas mantinham um estilo de vida luxuoso, mas também faziam parte de uma rede que operava no coração do crime organizado. A operação, que teve como alvo diversas propriedades no Rio e em Santa Catarina, resultou em uma prisão que expôs toda a rede criminosa que ela ajudou a construir.

A história de Carla Oliveira de Mello é um exemplo emblemático de como o crime, quando bem estruturado, pode gerar riquezas e transformar vidas. Contudo, também é uma prova de como a vida de luxo e ostentação pode ser efêmera, mesmo quando é sustentada por dinheiro sujo. O caso ilustra as complexas dinâmicas do tráfico de drogas e da lavagem de dinheiro no Brasil, onde muitos indivíduos utilizam a fachada de empresas legítimas para esconder suas atividades ilícitas, enquanto desfrutam de uma vida de luxo que, em última análise, leva à ruína.

Amaro Alves foi repórter de polícia até se aposentar, em 2009; vive atualmente em Belém (PA), de onde escreve com exclusividade para oacreagora.com

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