Com taxa de 79,9 homicídios por 100 mil habitantes em 2024, o município de Maranguape, no Ceará, liderou o ranking nacional de violência no Anuário da Segurança Pública. O Estado ainda teve outras quatro cidades entre as 20 mais violentas: Caucaia (68,7), Maracanaú (68,5), Itapipoca (63,8) e Sobral (59,9).
Maranguape fica na região metropolitana de Fortaleza, com 108 mil habitantes, e apresenta um paradoxo nos indicadores de violência: enquanto registrou apenas duas mortes em intervenções policiais em 2024, saltou do 8º para o 1º lugar no ranking de cidades mais violentas do País. O número de homicídios subiu 11,5% no período, passando de 78 em 2023 para 87 no ano passado.
A violência tem gerado temor na população da cidade. Enquanto relatos nas redes sociais confirmam a escalada do problema, a reportagem do Terra tentou contato com dez moradores locais, mas a maioria se recusou a falar sobre segurança pública. Alguns citaram preocupação com sua integridade, outros não retornaram os contatos. Um morador, que preferiu não dar seu relato, afirmou: “Falar sobre isso, ainda mais na nossa região, é muito complicado”.
De acordo com o Anuário, as cidades mais violentas do País tiveram um acirramento dos conflitos entre facções. Esse medo dos moradores ocorre porque, em Maranguape, assim como em outras regiões do Ceará, essa realidade se repete, ao envolver a disputa entre o Comando Vermelho (CV) e os Guardiões do Estado (GDE).
Localizada a apenas 10 km de Maracanaú –nona no ranking de violência–, a cidade vizinha também enfrenta conflitos entre as mesmas facções pelo controle do tráfico de drogas, conforme os dados do relatório.
Guerra de facções
Em Maranguape, conforme o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as facções dominantes são o Comando Vermelho (CV) e os Guardiões do Estado (GDE).
Fundado em 1979, no presídio da Ilha Grande (RJ), o CV é, hoje, a segunda maior organização criminosa do Brasil. Seus primeiros crimes foram assaltos a bancos e joalherias, mas a facção migrou para o narcotráfico após 1999, sob o comando de Marcinho VP. No Estado fluminense, domina áreas como os complexos do Alemão, Chapadão e Salgueiro, além de comunidades como Rocinha e Chatuba. A partir de 2010, com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), expandiu-se para o interior fluminense (Paraty, Angra) e estados como Ceará, Pará e Mato Grosso.
Já a facção Guardiões do Estado foi criada em 2015 no Ceará como dissidência do PCC, a quem aliou-se temporariamente entre 2016 e 2019. Mantém conexões internacionais com o Cartel de Cali (Colômbia), recebendo drogas por rotas na Bolívia e Peru. Atualmente, seus principais rivais são justamente o PCC e o CV, facções com as quais disputa o controle de territórios no estado.
A atuação de facções criminosas no Ceará não se intensificou apenas em 2024. Já em 2019, grupos locais e nacionais se articularam para dominar o crime no Estado. O cenário de caos na época surgiu como reação à proposta do então secretário da Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque, de implementar medidas mais rigorosas nos presídios –incluindo o combate à entrada de celulares e o fim da separação de detentos por facções.
A onda de violência resultante paralisou Fortaleza e região metropolitana, com ataques contra veículos, equipamentos públicos e privados. Comércios fecharam, o transporte coletivo foi interrompido e serviços essenciais como postos de saúde, fóruns trabalhistas e até a coleta de lixo foram suspensos. A crise foi tão grave que o governo estadual precisou solicitar o apoio da Força Nacional para restabelecer a ordem.
O que diz o Estado
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) afirma que o Governo do Ceará segue realizando investimentos para dar o suporte necessário ao desenvolvimento dos trabalhos das forças de segurança com o intermédio dos setores de inteligência, tecnologia e inovação.
A pasta diz que como resultado dos esforços das Forças de Segurança estaduais e as mudanças no direcionamento de estratégias com a intensificação da presença policial nas ruas, a partir do segundo semestre de 2024, o Ceará, Fortaleza e a Região Metropolitana tiveram diminuição nos índices de mortes violentas, tanto em comparação com o primeiro semestre de 2024, quanto em comparação com o segundo semestre de 2023.
“Os dados, que foram compilados pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp) da SSPDS, mostram que o Ceará reduziu 9,10% o número de vítimas de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs), no segundo semestre de 2024, comparado ao primeiro semestre do mesmo ano, passando de 1.714 para 1.558. á se compararmos os dados de julho a dezembro de 2024 ao mesmo período de 2023, a diminuição foi de 1,6% nos CVLIs. Este resultado positivo também foi observado em Fortaleza e na Região Metropolitana, com reduções de 3,6% e 21,9%, respectivamente”, diz a SSPDS.
Considerando os municípios mencionados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a pasta afirma que, em Maranguape, a diminuição de janeiro a junho de 2025 foi de 29%, com 39 CVLIs, ante 55 ocorrências entre janeiro e junho do ano passado.
Já em Caucaia, afirma que a redução no primeiro semestre de 2025 foi de 20,2%, com 118 mortes violentas registradas, frente a 148 casos no mesmo período de 2024. Em Maracanaú, a redução semestral foi de 16,3%, com 77 mortes violentas em 2025, contra 92 no mesmo período do ano anterior. Na Capital, a redução no semestre foi de 10,7%, com 391 CVLIs registrados entre janeiro e junho de 2025, contra 438 casos no mesmo período de 2024.