Capitu, paranoia, Bentinho, caipirinhas e traição

Gosto de bar de qualquer espécie, chique ou raiz, sozinho ou em boa companhia. Gosto dos debates que o bar nos proporciona, sobre futebol, política, economia, literatura etc… No bar não existe assunto proibido.

Minha esposa segue o caminho inverso, não gosta de bares, os raízes, então, ela não suporta, mas vez por outra, não sei se somente para me agradar, ou se para poder aproveitar as delícias gastronômicas que só um bom boteco proporciona, vai comigo. Eu amo essas ocasiões. Ela tem bom papo e sabe do que eu gosto, de beber, comer e conversar.  

Ela não gosta de futebol, tampouco de política, naquela noite, após eu pedir ao Sérgio, o garçom, uma caipirinha para mim, uma soda limonada para ela e um provolone à milanesa, ela me olha no olho e manda de primeira:

– E aí, traiu ou não traiu?

Antes que eu me recuperasse do susto, ela complementou:

– Para você, a Capitu traiu ou não o Bentinho?

Engasguei com o primeiro gole da caipirinha e antes mesmo que eu me situasse sobre a complexidade do enredo que ela escolhera para iniciar o bate-papo etílico, ela disparou mais uma vez:

– Claro que não traiu. Vocês homens são paranoicos e acham sempre que a mulher traiu.

Demorei aproximadamente um segundo e meio para entender se ela queria uma discussão gratuita ou um debate literário. Duas especialidades dela. Optei pela mais prazerosa.

– Eu acho que traiu. O guri era a cara do Escobar. Respondi secamente.

Minha esposa havia escolhido conversar sobre relações, tendo o livro Dom Casmurro, de Machado de Assis, para nortear suas convicções. Como ter tanta certeza que Capitu não tinha sido uma adúltera? Afinal, de acordo com a percepção de Bentinho, o filho do casal, Ezequiel, tinha os trejeitos e era a cara de Escobar, seu melhor amigo. Deve ser horrível viver com essa sensação. 

Lembrei de um amigo que quando conversávamos sobre o clássico de Machado de Assis, passado na cidade do Rio de Janeiro, perguntei o que ele achava sobre a sofrida desconfiança de Bentinho em relação a sua possível não paternidade biológica de Ezequiel.

– Bentinho além de corno era paranoico. Respondeu.

Neste dia me calei, resolvi não prosseguir com o papo. Afinal, como achar que seu filho é a cara de outro homem, amigo íntimo da família, e não ficar paranoico? Ainda mais quando Escobar morre afogado e Bentinho percebe, cabreiro, o pranto descontrolado de Capitu no enterro.

Dom Casmurro, livro de Machado de Assis, publicado em 1899, é um romance que narra a vida de Bentinho Santiago, um homem que reflete sobre seu passado e suas dúvidas em relação à fidelidade de sua esposa, Capitu. O livro aborda temas como ciúmes, traição e a complexidade das relações humanas.  

– Sérgio, outra caipirinha, por favor. Aceita outra soda, meu amor?

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