Sem aviso prévio — exceto pela exoneração de Ernesto Araújo do comando do Itamaraty —, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mudou, nesta segunda-feira (29), o comando de seis pastas: Relações Exteriores, Defesa, Casa Civil, Secretaria de Governo, Justiça, Advocacia-Geral da União . A reforma ministerial relâmpago trouxe dúvidas. Seria apenas mais um loteamento de cargos ao centrão? Ou Bolsonaro estaria, também, buscando nomes que corroborem seus discursos de enfrentamento às instituições?
Para cientistas políticos ouvidos pelo iG , Bolsonaro está dando ‘uma no cravo, outra na fechadura’, isto é, promovendo mudanças de naturezas distintas.
“A primeira é o pagamento de uma fatura ao centrão, com a demissão de Araújo do Itamaraty e com a entrega da Secretaria do Governo à deputada Flávia Arruda. Ele está devolvendo o apoio que está sendo cobrado em alto e bom som pelo Congresso.”, explica Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper.
A segunda natureza, que diz respeito às trocas no ‘núcleo duro’ da segurança e da Justiça, pode ter razões mais ‘obscuras’, segundo Consentino. A realocação de Braga Netto na Defesa , por exemplo, pode representar a vontade do presidente de ter na pasta um general com ideias alinhadas às suas ameaças institucionais.
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“São mudanças sensíveis em pastas relacionadas a militares e à Justiça. Sobretudo na Defesa, Bolsonaro queria alguém de maior alinhamento, e o general Azevedo e Silva, que ocupava o cargo, não queria admitia que as Forças Armadas fossem usadas de alguma forma mais privativa, que dessem amparo a certas declarações mais firmes, como aquela do Bolsonaro sobre o estado de sítio. A dúvida que fica é se isso é uma busca por fortalecimento para enfrentamento das instituições ou se ele apenas quer que pareça ser isso, para aplacar um pouco da decepção da sua base social com relação ao quanto ele cedeu ao centrão”, avalia.
Bruno Silva, cientista político e pesquisador do Laboratório de Política e Governo (UNESP) , diz que a dança das cadeiras promovida por Bolsonaro busca tanto atender interesses de seus aliados políticos do centrão, como também tentar se blindar em áreas nas quais sabe que a maneira como se comporta exige aliados de primeira ordem.
“A Secretaria de Governo da Presidência da República é uma demanda do centrão. Passa a ser de Flávia Arruda (PL-DF), aliada do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) . Ela esteve com ele em sua campanha para a presidência e, ao que tudo indica, Lira quer alguém no cargo para acompanhar diuturnamente os passos do presidente.”
Além da nomeação da deputada e da demissão de Araújo como aceno ao centrão, o governo estaria, nas palavras do cientista político, “tentando lidar com algo que sempre teve dificuldade: coordenar as ações interministeriais de modo a fazer crer que ainda é um governo e não um amontado de cargos distribuídos e sem conexão entre si”.
Bruno Silva vê a mudança na Justiça como uma tentativa de prestigiar seus aliados mais próximos, já que delegado da PF Anderson Gustavo Torres é próximo da família do presidente e já havia tido seu nome ventilado em outras ocasiões, como na saída do ex-ministro Sergio Moro.
“Na ‘caixinha’ do rearranjo ministerial, Bolsonaro optou trocar algumas peças já presentes em seu governo para acomodar certos interesses pessoais. A saída de André Mendonça do Ministério da Justiça e o seu retorno para a AGU demonstra que Bolsonaro deseja ter um aliado de primeira ordem à frente do órgão estratégico responsável por defender o governo juridicamente”, diz.
“As demais movimentações, que envolvem o núcleo duro de proximidade de Bolsonaro aos militares sinalizam o rearranjo das peças em postos estratégicos. Bolsonaro necessita, na Defesa, de uma figura de muita confiança em um momento no qual vem sempre fazendo referência às Forças Armadas; a Casa Civil, ou a antessala da presidência, continua tendo alguém de sua confiança. Se Lira tem Flávia Arruda na cadeira ao lado do presidente, Bolsonaro continua a ter um braço direito olhando para ambos.”