BNB acusa desembargadores de beneficiar advogados em ações milionárias

O Banco do Nordeste (BNB) abriu ofensiva no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra três desembargadores da Paraíba — um deles aposentado — por suposto favorecimento a um escritório de advocacia em ações que impuseram à instituição financeira condenações a pagamentos milionários de honorários advocatícios.

Segundo o banco, os processos envolveram o pagamento indevido de honorários com cifras que chegam a R$ 70 milhões. Boa parte das ações se arrastava desde os anos 1990 no Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB). Houve casos repetidos em que um mesmo juiz assumia como substituto nessas ações e deu decisões a favor dos advogados.

O Banco do Nordeste, que é controlado pelo governo federal, afirma ter feito a denúncia ao CNJ para evitar “risco” ao patrimônio público por causa de decisões parciais que determinam o pagamento de “honorários milionários a um grupo específico de advogados que levantam sempre as mesmas teses em processos com tramitação duvidosa”.

Quem são os desembargadores investigados

Estão sob investigação os desembargadores Onaldo Queiroga, Aluizio Bezerra Filho e o magistrado aposentado João Alves da Silva. A representação afirma que os três foram parciais para beneficiar o escritório Mouzalas, cujo sócio, Rinaldo Mouzalas, é conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O pedido de investigação foi feito em outubro de 2024 ao TJPB, que não abriu procedimentos sob alegação de não ter competência para conduzir a apuração. Segundo a Corte, caberia ao CNJ apurar infrações disciplinares de desembargadores.

O corregedor nacional de Justiça, Mauro Campbell, no entanto, mandou o tribunal paraibano abrir investigação. No fim de março deste ano, o presidente da Corte, Frederico Martinho da Nóbrega Coutinho, informou ao CNJ que abriu procedimento para apurar a denúncia do BNB contra os magistrados.

Honorários de R$ 60 milhões

A causa de honorários mais elevados diz respeito a uma ação em que o Banco do Nordeste cobrava R$ 40 milhões de uma metalúrgica. Naquele caso, ficou reconhecido na Justiça e em processos administrativos do governo federal que a devedora havia desviado recursos do Fundo de Investimentos do Nordeste, que são concedidos na forma de empréstimo pela instituição financeira.

O processo é de 2006. Trata-se de uma ação monitória de cobrança de dívida. É um processo no qual o banco anexa documentos mostrando que um empréstimo, por exemplo, não foi quitado, e a Justiça, se acolher, manda o devedor pagar ou bloqueia bens e outros ativos. Neste caso, a Justiça acolheu o pleito. Houve diversos recursos por vários anos.

A metalúrgica, então, alegou ao Judiciário da Paraíba que era alvo da mesma cobrança duas vezes, por ser também cobrada pela Fazenda Nacional na Justiça Federal. A Justiça manteve a execução. Com o passar do tempo, o valor chegou R$ 400 milhões por causa de juros e correções.

Em recurso, o desembargador João Alves acolheu os argumentos da empresa e provocou uma reviravolta. Segundo o acórdão do processo, no qual o magistrado foi apoiado por seus pares, a ação do banco foi extinta, e a instituição financeira foi condenada a pagar honorários de 15% sobre o valor da causa, em valor que chega a R$ 60 milhões. A decisão é de 2023.

Segundo o BNB, o desembargador, como relator do recurso, “agiu com parcialidade”, e o devedor foi premiado após ficar comprovado desvio de recursos públicos.

As ações dos anos 1990

Em outro caso, o Banco do Nordeste era credor de um frigorífico em uma ação que estava em fase de execução desde 1997. Durante mais de 20 anos, o processo tramitou em uma vara Judicial da Paraíba. Dela, o desembargador Onaldo Queiroga foi juiz substituto. Com ele, mais de uma vez, os autos estiveram conclusos para decisão.

Somente mais de 20 anos depois, após a contratação dos advogados citados pelo BNB como beneficiados pelos juízes, segundo o banco, Queiroga aceitou um pedido de um dos devedores e não apenas declarou a prescrição do processo como impôs ao banco o pagamento de honorários de 15%, em valores que chegam aos R$ 2 milhões.

“Uma indagação importante se impõe: em ‘condições normais’, quantas vezes isso acontece no dia a dia da prática forense?”, indaga o BNB. Na condição de juiz substituto, diz o banco, dificilmente magistrados decidem de maneira tão impactante em processos judiciais.

No caso de Aluizio Bezerra, o banco afirma que ele não apenas mudou de entendimento para beneficiar o grupo de advogados como puxou para si a relatoria de uma ação quando já havia sido voto vencido em um recurso sobre o mesmo caso. No Judiciário, magistrados autores de votos vencidos não podem assumir a relatoria de recursos a serem julgados no futuro. Os valores em honorários em apenas um dos casos chegaram a R$ 1,5 milhão.

Desembargadores rechaçam BNB

O desembargador Aluizio Bezerra afirma que “as duas decisões mencionadas” pelo BNB “foram da 2ª Câmara Cível do TJPB, julgadas por unanimidade de seus membros, com minha relatoria”. “Portanto, não se trata de decisões monocráticas, como tenta moldar o reclamante para pretender atribuir fato individual.”

O desembargador Onaldo Queiroga diz que vai se abster de comentar o mérito da acusação “em respeito ao segredo de justiça e à imparcialidade que rege a magistratura”.

“Ressalto, contudo, que as decisões proferidas por este magistrado, quando ainda era juiz de primeiro grau, foram majoritariamente confirmadas pelo Tribunal de Justiça da Paraíba e pelo Superior Tribunal de Justiça”, afirmou.

O desembargador afirma que “já foi apresentada defesa no procedimento em curso” e que permanece “com serenidade e a consciência tranquila de quem exerce a magistratura há 33 anos sem nunca ter sofrido qualquer tipo de punição”.

Já o desembargador aposentado João Alves não foi localizado pela reportagem. O espaço segue aberto.

Já o advogado Rinaldo Mouzalas, sócio do escritório Mouzalas Azevedo e conselheiro federal da OAB, afirma que abriu uma ofensiva na esfera criminal contra o BNB para “rebater as acusações infundadas e responsabilizar civil e criminalmente os autores dessa tentativa de criminalizar o exercício legítimo da advocacia”.

Em nota, sua banca de advocacia afirma que “atua na defesa de diversas empresas e indústrias acionadas judicialmente pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB)”. “Nessas ações, obtém reiterados êxitos com base na demonstração de vícios formais e materiais aptos a extinguir os processos e a gerar condenações em honorários sucumbenciais”.

“A representação disciplinar apresentada pelo BNB tem como único fundamento a insatisfação com tais decisões. Trata-se de iniciativa que visa a constranger a jurisdição constitucional da Corte de Justiça da Paraíba e a deslegitimar o exercício regular da advocacia, ao tentar encobrir a própria irregularidade das operações bancárias e a condução negligente dos processos pelo banco”, afirma.

Segundo o escritório, “nenhum dos casos questionados houve qualquer violação ao contraditório ou à ampla defesa”. “Tampouco se verificou levantamento de valores, liberação de bens ou qualquer vantagem de ordem material. Todos os processos contaram com efetiva participação das partes e de seus advogados, e as decisões foram públicas, colegiadas, unânimes e alinhadas à jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça”.

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