O Brasil passa por sua pior crise sanitária e de saúde . E o nosso bem mais precioso, a vida, não está sendo tratada com o valor e respeito que merece. Estamos a mercê de um governo negacionista, que mais se preocupa em fazer politicagem do que salvar vidas. Um governo que nega a gravidade do que estamos passando, que nega a ciência, que nega o poder da vacina, que nega à sua população o direito a dignidade e a viver.
Hoje, passamos a marca de 300 mil mortos. Trezentas mil famílias, pais, mães, esposas, maridos, filhos, amores, que perderam alguém que para eles era muito importante, mas que para o atual governo é só um número, só mais um que, por não ter ‘saúde de atleta’, não aguentou a gripezinha, como foi chamada a Covid-19 pelo presidente da República Jair Bolsonaro.
Daqui, usamos o dia de hoje para homenagear e tentar alertar o quão grave ainda é essa doença. E pedir de coração que se cuidem, que usem máscara, que mantenham o distanciamento e que lavem as mãos e usem álcool em gel.
A atriz Beth Goulart, que perdeu a mãe, Nicette Bruno, em dezembro do ano passado em decorrência da Covid-19 , conversou com a coluna. Esta colunista que vos escreve se solidariza com cada família enlutada e recomenda a leitura dessa emocionante entrevista.
O Brasil passa dos 300 mil mortos. Você teve uma perda dolorosa, que foi a Nicette Bruno. Como você vê esses números?
“Com muita tristeza, indignação e solidariedade, porque eu sei o que essas pessoas, esses familiares passaram. É muito difícil perder uma pessoa amada, ainda mais em uma situação como essa. Ninguém está preparado para perder alguém que se ama e de uma forma tão rápida. Existem pessoas morrendo agora em três dias! Famílias dizimadas em três dias. A minha mãe passou 21 dias internada, mas existem pessoas que morrem muito rápido e ninguém se prepara para isso. A minha tristeza é por estar nesse número. A minha indignação é porque não tem sido feito nada para ter uma medida mais eficaz para impedir o avanço da doença e a minha solidariedade é uma compaixão por todos que sofreram o que eu sofri”.
Qual foi o momento mais difícil da internação?
“Todos os momentos são difíceis, porque essa doença não dá folga. Você não pode ficar perto de quem está doente e de quem você ama. É uma sensação de impotência muito grande, ainda mais quando ela vai se agravando e aí vem a necessidade de intubar, porque é um momento de muita tensão e angústia. A pessoa que você ama está ali sozinha e você não pode estender a sua mão e nem pode acompanhar e ajudar aquela pessoa a passar por esse sofrimento. Realmente, você fica impotente”.
Você viu?
Você lamenta que Nicette não tenha conseguido ser vacinada?
“Claro. A primeira vacina surgiu um mês depois dela ter morrido. Se ela tivesse tomado a vacina, isso não aconteceria. Dá uma sensação de ‘puxa vida! Só mais um pouquinho, ela sobreviveria’. Se a vacina fosse implantada no Brasil há mais tempo, com certeza a realidade seria outra”.
Qual é a última lembrança da sua mãe?
“No último momento que eu estive com a minha mãe, ela já estava inconsciente, mas eu guardo como se fosse a nossa despedida o momento em que ela voltou do hospital, quando fez os exames. Ela passou na minha casa e nós conversamos. ‘Mãe, você vai voltar logo’ e nos despedimos. Ela não voltou e esse é o momento que eu guardo. Ela estava consciente e pudemos dizer uma para outra o quanto nós nos amávamos (chora)… Também disse o quanto a amava quando ela estava inconsciente e por mais que eu tenha dito de várias outras maneiras, não foi a mesma coisa. Para mim, esse último encontro é o que eu guardo”.
O que mudou na sua vida depois da morte de Nicette em decorrência da Covid-19?
“Sempre muda, porque quando você perde o pai ou a mãe, é muito forte na vida de qualquer pessoa. Pai e mãe tem que estar dentro de você e de certa forma, você acaba ganhando uma força maior. Você tem que buscar em si mesmo o apoio, os valores e toda a presença daquela pessoa amada que estava ali ao seu lado e que podia ouvir, tocar e falar. Agora você só pode sentir. É um processo de crescimento, de amadurecimento e não é fácil. É de muita dor e que também fortaleceu o amor e a capacidade de amar o outro. É um processo doloroso”.
Como está a rotina da família na pandemia?
“Tudo mudou. A pandemia mudou a rotina de todas as famílias e todas as pessoas. Nós não temos mais uma rotina normal como era antes da pandemia. O distanciamento permanece e por mais que continuemos nos falando por telefone, por mensagens e por vídeos, não é a mesma coisa. Há a ausência das pessoas, do toque e do abraço. Todos nós estamos aprendendo a lidar com isso, independente da perda da minha mãe. Só que agora estamos resolvendo coisas que era ela quem cuidava e resolvia. Desde coisas mais simples como os problemas cotidianos até as questões mais complicadas. Ela morreu muito próximo do Natal, no dia 20 de dezembro. Nosso Natal foi distante por conta já do isolamento e muito triste por não tê-la”.
Você consegue tirar alguma lição dessa pandemia?
“A vida passa rápido. Isso foi uma coisa que meu pai falou antes de falecer: ‘a vida é linda, mas é rápida e aproveitem’. A grande lição que a gente pode tirar é de valorizar a própria vida. É o nosso bem maior e quantas pessoas não estão dando o valor a esse bem maior? A questão de cuidar da saúde nesse momento não é só a questão física, é cuidar da saúde mental e espiritual. Dar valor às coisas boas também, porque quando a gente vai embora, a gente não leva as coisas que tem, a gente leva o que a gente é. Estamos aprendendo a dar valor para nossa essência”.
Além da Nicette, você perdeu outras pessoas próximas para a Covid- 19?
“Não. Graças a Deus, ninguém tão próximo, mas a gente consegue sentir a perda das pessoas que estão ao seu redor. Não tem como ficar passível diante de tanto sofrimento. Você sente a perda de muitas pessoas e o perigo é eminente”.
O que você faz para amenizar a saudade da sua mãe?
“Eu vejo a novela ‘Vida da Gente’. O engraçado é que esta semana mesmo passou uma cena em que a personagem cantava uma música que ela cantou muito para nós, eu e meus irmãos. Essa é uma das formas: rever os trabalhos. Mas, eu oro muito e converso muito com ela de forma silenciosa nas minhas meditações e nas minhas orações. É uma comunicação só de um lado, não consigo ouvir as respostas, mas a gente consegue sentir o amor e a presença. Tem que aprender lidar com as projeções emocionais”.