Sábado de sol, dia propício para feijoada e cerveja gelada. Feijão no fogo, playlist no ponto, hora de ir ao supermercado comprar a cerveja. Pego o elevador pensando em quais marcas comprar. Não entendo essa gente que bebe o dia inteiro apenas um tipo de cerveja. Eu vario sabores. Compro duas, no máximo três, de cada marca.
O elevador para no 6° andar para que entre o vizinho e sua esposa. Não lembro o nome de nenhum dos dois. Tenho sérios problemas em decorar o nome das pessoas.
– Bom dia – disse ao casal.
– Bom dia – disseram ao mesmo tempo, em um único som, seguido de um tímido sorriso da moça e um meio levantar de sobrancelha do rapaz.
Ele aparentava ter uns quarenta e poucos anos e vestia uma camiseta com o rosto do Ayrton Sena estampado e uma frase a ele atribuída: “Se você quer ser bem sucedido, precisa ter dedicação total, buscar seu último limite e dar o melhor de si”.
Ouvi bem longe quando ele se despediu com um “até logo”. Não respondi. Estava com o pensamento distante demais para me despedir do casal. Mais precisamente em 1° de maio de 1994. Ímola, Itália, curva Tamburello… Senna bateu!
O tricampeão de Fórmula 1, Ayrton Senna, foi declarado morto às 13h40 no horário de Brasília (18h40 em Ímola), duas horas e vinte minutos após o encerramento da corrida. Sim, a corrida continuou após o acidente com o piloto brasileiro. O Brasil emudeceu. Era difícil acreditar que o nosso Ayrton não mais ergueria a bandeira brasileira após cada vitória, e que não mais ouviríamos os berros inconfundíveis do Galvão Bueno: “Ayrton Senna do Brasil”. Acabou!
Confesso que nunca fui muito fã de F1. Assistia à largada e à chegada. O meio eu achava meio entediante. A não ser quando chovia. Neste caso, era espetáculo garantido. Senna era magnífico na chuva. O mais espetacular piloto de todos os tempos. Talvez, não o melhor, mas o mais espetacular certamente.
O país vivia um momento bastante difícil. A ditadura militar tinha terminado há pouco tempo e sofríamos com a hiperinflação. Não fazia muito sentido sentir orgulho do Brasil. Mas o Senna saía pelo mundo levantando a bandeira e a autoestima de milhões de brasileiros.
Será que se fosse um campeão de tênis de mesa ou natação, que quase todo domingo subisse ao pódio chorando e enrolado a bandeira brasileira, não seria a mesma coisa? Logicamente que precisamos colocar neste contexto os gritos apaixonados do Galvão.
Se as corridas de F1 fossem transmitidas pela Rede Bandeirantes, com a narração do Sílvio Luiz, o Senna seria do tamanho que foi e ainda é mesmo vinte seis anos após a sua morte? Qual a participação do Galvão e da Rede Globo na construção deste ídolo? Ele é um ídolo fabricado?
Ouvi de um amigo: “Foi o Senna que fez o Galvão e não o contrário”. Será?
Já outro amigo, apaixonado por corridas e fã de Nélson Piquet, comparou os dois pilotos aos craques Romário e Ronaldo. “Romário jogou mais bola, mas faltava aos treinos e dava declarações polêmicas. Ronaldo também era craque. Só que politicamente correto. Prato cheio, portanto, para que os gritos frenéticos do Galvão o transformassem em fenômeno.”
Fiquei com a impressão de que os dois amigos estavam certos. Que o Senna foi o piloto mais espetacular de todos os tempos e que ocupou a vaga de ídolo da nação brasileira, entre outras coisas, por ser genial, mas também pelo contexto do país, à época. Além, é claro, de contar com a ajuda das antológicas narrações do Galvão, que aos berros brindava nossos domingos com o seu inesquecível, “Ayrton Senna do Brasil”.
Confesso que entrei no supermercado com duas dúvidas a me formigarem a cabeça. Em qual prateleira estaria melhor posicionado o Ayrton Senna? Na de grande ídolo nacional, na de produto da mídia ou na de espetacular piloto de Fórmula 1?
Meu Deus, o que eu vim comprar mesmo?