“A COP 30 saberá o que acontece no Acre”, diz sindicalista rural

“A vida nas reservas é de escravidão e humilhação”

“As políticas públicas são ausentes na zona rural”

“Além da insegurança alimentar, as crianças estão bebendo água contaminada”

O Brasil tem parte considerável de seu PIB oriundo do agronegócio. De dimensões continentais, o nosso território tem as condições naturais para se tornar a maior potência mundial na produção e exportação de alimentos. Esse caminho é quase inevitável e já pode ser notado pela expansão das nossas fronteiras agrícolas.

O Acre, por sinal, é essa última fronteira. O saudoso economista e escritor, Celso Furtado, defendia que a agricultura chegasse aos rincões para desenvolvê-los de forma exógena (de fora para dentro), ou seja, do interior para os grandes centros urbanos.

Assim dizia o velho mestre: “Se tivermos uma grande produção agrícola, nos alimentaremos melhor e o excedente irá para a exportação”. Óbvio que Furtado formulou uma cadeia produtiva, chamando-a de autodesenvolvimento ou agroindustrialização. Além de criar uma classe média no campo, essa política agrícola ajudaria a conter o êxodo rural.

Apesar de o Acre ter dado um salto nesse setor, os pequenos produtores rurais estão abandonados à própria sorte. “Não existem políticas públicas para a agricultura familiar”, declarou o presidente do Sindicato dos Extrativistas e Trabalhadores Assemelhados de Rio Branco (Sinpasa), Josimar Ferreira, de 51 anos, que vai denunciar o descaso na próxima Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), que acontecerá em novembro, na cidade Belém (PA).

O sindicalista tem como causa a defesa da agricultura familiar, segundo ele vital para a qualidade dos alimentos, bem como fonte de geração de emprego e renda no campo. “Mas isso é possível se tivermos estradas, assistência técnica, garantia da produção e financiamentos. Aqui nunca existiu uma política agrícola de estado”, enfatiza Ferreira, apontando a sua metralhadora giratória para as três esferas de poder.

Em uma das salas do sindicato, ele recebeu a nossa reportagem para falar sobre as lutas e as conquistas do seu mandato, do advento da produção de grãos em larga escala, da pecuária de corte, do extrativismo e principalmente da ausência de políticas públicas no campo. “Os recursos do Fundo Amazônia são para gringo ver”, dispara o líder sindical, que também vai denunciar as violações à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Veja os principais trechos da entrevista:

O Acre Agora – Como o senhor se tornou agricultor?

Josimar Ferreira – Desde cedo, eu ajudava a minha mãe na lida. Ela tinha um plantio de banana e a gente juntava coquinhos no mato, colhia mangas e vendia nas feiras. Também comprávamos e revendíamos ovos. Eu vi o meu pai colocar roçados e eu o imitava. Eu terminei o segundo grau, comprei uma propriedade na região da Transacreana, fui presidente da Associação Nova Esperança e sou diretor da Fetracre (Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar).

O Acre Agora – Como é ser pequeno agricultor em Rio Branco?

Josimar Ferreira – Uma ida ao Ceasa pode perfeitamente responder essa pergunta. Praticamente você não vai encontrar produção em Rio Branco. Para ter isso, é preciso ter gestores nos órgãos responsáveis pelo fomento dessas políticas. Eu estou me referindo às três esferas de poder, ou seja, a União, o governo estadual e o município. Não existem políticas voltadas para o setor produtivo. Tipo assim: podem produzir que vamos dar acesso. O Ceasa é um mercado de atravessadores. Os gestores, que estão nesses cargos estratégicos, estão voltados apenas para fazer politicagem e sugarem o dinheiro público. Não existe mecanização, ramais com acesso, ciência e tecnologia. Eu conheço uma propriedade que tem quinze mil pés de banana e quem está comendo são os macacos. Outro jogou cinco mil abacaxis no rio. Aqui mesmo, na Transacreana, existem galpões abarrotados de milho e arroz, mas existem trilhadeiras e debulhadeiras.

O Acre Agora – O que Rio Branco produz hoje?

Josimar Ferreira – O mesmo que produz há décadas. Cebolinha, coentro, chicória, pimenta de cheiro, couve banana e macaxeira. Não existem políticas públicas voltadas para outras culturas. E vou lhe dizer mais: isso é para consumo in natura, ou seja, não existe uma única agroindústria no município. Isso deveria ser uma vergonha para os políticos. Tudo o que consumimos aqui vem de fora. Rio Branco praticamente não produz nada.

O Acre Agora – Como o senhor avalia o aumento da produção de café?

Josimar Ferreira – Nada contra essa produção. Porém, o poder público poderia incentivar outras cadeias. A cultura do café não é para os pequenos, uma vez que requer grandes investimentos e não temos acesso a créditos. As instituições bancárias exigem o documento da terra e a maioria das nossas propriedades não tem. O Incra e o Iteracre ainda não cumpriram os seus papéis.

O Acre Agora – E o extrativismo?

Josimar Ferreira – Rio Branco tem muita floresta. Aqui se produz muita castanha e borracha. Mas a dificuldade de tirar essa produção é muito grande. Só no Ramal do Noca, no quilômetro 45, da Trasacreana, sai mais 60 mil latas de castanhas por ano. Teve uma emenda parlamentar de um senador, de 4 R$ milhões, para esse ramal. Esse recurso nunca chegou lá. E os seringueiros que vivem isolados na mata? Você quer saber a verdade? O Estado Brasileiro não chega lá, ou seja, eles não têm nada, absolutamente nada. Eles vivem isolados como se fossem animais. O que é básico como saúde e educação, garantidos pela Constituição, não existe isso por lá. Quando acontece um acidente grave, a possibilidade de morte é enorme. Tenho inúmeros casos para denunciar. Mais uma coisa: além da fome, as crianças estão tomando água contaminada nas escolas. E não existem banheiros.

O Acre Agora – E as questões ambientais?

Josimar Ferreira – É muito bonito falar em preservação. É lindo falar em salvar o planeta. Esse ano vai ter a COP 30 e não vou denunciar. Vou dizer como vivem esses brasileiros nas áreas de proteção ambiental. O ICMBio é o pior inimigo dessas pessoas. O que esse órgão puder fazer, para piorar a situação, ele faz. Proíbe tudo e não oferece nada. A vida nas reservas extrativistas é de escravidão e humilhação. Eu queria que o mundo rastreasse a borracha e a castanha, como eles fazem com o boi. Dessa forma, o mundo saberia como vivem os trabalhadores extrativistas.

O Acre Agora – E para que serve o Fundo Amazônia?

Josimar Ferreira – Essa é uma boa pergunta. São recursos internacionais para investir na preservação ambiental. Poderia levar dignidade e qualidade de vida para quem realmente preserva, que são as famílias que sobrevivem da floresta. No entanto, a realidade é outra. Quem sobrevive lá não sabe, nunca viu nem ouve falar desses recursos.

O Acre Agora – O senhor é candidato à reeleição no próximo ano. Por quais razões os agricultores devem votar no senhor?

Josimar Ferreira – Quando eu assumi, há três anos, o CNPJ do sindicato estava desativado desde 2013. Além disso, não tínhamos sequer uma conta aberta. Além do trabalho de base, organizamos e estruturamos tudo. Estamos disponibilizando os serviços do INSS aqui, e de forma célere. Estamos também expedindo o CAF (Cadastro Nacional da Agricultura Familiar). Firmamos convênios e parcerias com órgãos e entidades. Ah, eu ia esquecendo, na próxima semana estaremos adquirindo uma camionete. Temos também um barco à nossa disposição. Nos próximos meses, em parceria com a União, estaremos expedindo títulos definitivos para os ribeirinhos que ocuparem áreas que pertencem ao governo federal, ou seja, faixas de terra às margens dos rios.

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