
A discussão sobre o que ocorreu no Rio de Janeiro tem sido dominada por um erro que atravessa ideologias e intoxica o debate público. Palavras técnicas passaram a ser usadas sem critério, e quando o vocabulário é distorcido, a compreensão dos fatos se perde. É exatamente isso que está acontecendo com o emprego dos termos chacina e massacre.
O episódio que motivou essa controvérsia aconteceu no dia 28 de outubro de 2025, durante uma operação policial de grande porte realizada nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro. A ação envolveu confronto direto entre forças de segurança e facções criminosas que controlam a região.
No sentido rigoroso, chacina descreve a eliminação de várias pessoas impossibilitadas de se defender, normalmente civis, rendidos ou surpreendidos. O conceito, consolidado na criminologia e na segurança pública, exige três elementos básicos que não podem faltar: vítimas indefesas, ausência de confronto real e execução deliberada. Massacre segue o mesmo padrão, envolvendo total assimetria de força e mínima ou nenhuma capacidade de reação.
Nenhum desses critérios aparece no episódio ocorrido nos complexos do Alemão e da Penha. O que houve foi confronto direto, troca de tiros intensa, criminosos fortemente armados, enfrentamento prolongado e inclusive baixa do lado da polícia. Uma situação muito distante da definição técnica de chacina ou massacre. Trata-se, objetivamente, de uma operação policial de alta letalidade, com todos os problemas, excessos ou acertos que podem ser discutidos, mas não de uma execução coletiva de vítimas indefesas.
Ainda assim, os termos passaram a ser repetidos de forma automática, como se qualquer quantidade elevada de mortos bastasse para enquadrar o caso como chacina. Essa dilatação semântica não só enfraquece o debate, como impede a distinção fundamental entre situações completamente diferentes: operações mal planejadas, confrontos intensos, execuções sumárias e assassinatos coletivos de vítimas rendidas. Colocar tudo no mesmo rótulo é esconder as nuances e comprometer qualquer tentativa séria de discussão.
O Brasil não vai avançar na compreensão da segurança pública enquanto insistir em ignorar o significado preciso desses conceitos. O uso impreciso da linguagem não ajuda vítimas, não reforça instituições e não melhora políticas. Apenas alimenta narrativas moldadas conforme as conveniências de cada momento.
Chamar de chacina aquilo que foi confronto é mais do que um erro terminológico. É um desserviço à lucidez e à honestidade intelectual que o tema exige.
*Amaro Alves foi repórter de polícia até se aposentar, em 2009; vive atualmente em Belém (PA), de onde escreve com exclusividade para oacreagora.com
Foto: Fabiano Rocha/Agência O Globo
