Ficar ouvindo a conversa alheia em botequim é quase inevitável em certas ocasiões. As mesas, em alguns deles, ficam muito próximas e o volume das vozes vão crescendo em sintonia com as doses, a cada drink ou chopp parece que aumentam um volume lá dentro das cordas vocais. Já percebeu como quase todo bêbado fala alto? Pois é…
Naquela tarde, ao pedir ao Zé a cerveja mais barata e um bolinho de bacalhau, me deparei com um “papo cabeça” entre pai e filho na mesa ao lado. O pai, um homem grisalho e bonito, aparentando uns 50 anos, o guri parecia ter acabado de completar a maioridade.
– É a minha vida, não te interessa, pai.
Não ouvi a resposta, na verdade não ouvi mais nada. Levei meus pensamentos a um outro adolescente. Meu filho. O maior e mais difícil desafio da minha vida. Ser um bom pai é tarefa bem mais complicada do que imaginam alguns. Tem quem pense que é apenas abrir a carteira, mas é muito mais complexo do que isso.
Qual é o momento ideal para abrir o diálogo com o filho ou filha adolescente?
De acordo com a psicóloga Vera Zimmermann, coordenadora do Centro de Referência da Infância e do Adolescente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), compreensão é a palavra-chave nesse momento delicado da vida dos guris.
Ainda segundo a psicóloga, “diante de tanta aflição, uma das estratégias de defesa mais comum é tentar se mostrar onipotente. O adolescente precisa se sentir poderoso para poder enfrentar o mundo. Então, ele provavelmente agirá como se soubesse de tudo e como se não precisasse de mais ninguém”.
Nessa fase tão desafiadora, não é apenas os filhos que mudam de comportamento, mas os pais também.
“Os pais de crianças pequenas sabem de cor a música da Galinha Pintadinha e não se incomodam de assistir 20 vezes ao desenho preferido do filho. Mas costumo perguntar aos pais de adolescentes: ‘você sabe quais as músicas preferidas do seu filho?’ E eles nem sempre sabem a resposta”, diz a psicóloga Sylvia Flores.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a adolescência é o período da vida que vai dos 10 aos 20 anos. Tempo em que meninos e meninas começam a ver os pais como “desatualizados” e encontram nos amigos o campo ideal para compartilhar ideias e sentimentos. É o momento da vida em que a parceria com entre pais e filhos é mais complicada.
É natural o desejo de independência do adolescente, imprescindível para que ele atinja a maturidade, e nesse caminho alguns deles exigem liberdade demais, como também certos pais dão liberdade de menos. Qual é a dosagem certa? Até quanto esticar ou encolher a corda da “independência infantojuvenil”?
O psicólogo acreano Cleib Lubiana diz que os limites devem estar até ao ponto em que os comportamentos e pensamentos do adolescente não sejam destrutivos ou autodestrutivos, que não afetem ou prejudiquem ninguém ou a si mesmo.
“O necessário é ter uma proximidade com o filho, acompanhar o seu desenvolvimento, mas mantendo a figura de autoridade, porque pai e mãe são autoridades. Próximos, cúmplices, mas autoridades. Não é uma relação em igualdade”, complementa.
É importante perceber que o diálogo é feito de dois lados: o comunicador e o receptor. Para que seja estabelecida uma boa comunicação com seu filho ou filha adolescente é importante que estejas também disposto a ouvir e não somente falar. Entender o lado do outro.
Nesse momento dei uma cotovelada no copo de cerveja, que se espatifou no chão, acabando não somente com os meus devaneios, como também com o “papo cabeça” entre pai e filho, que arregalaram os olhos em minha direção. Tentei disfarçar e pedi ao Zé outro copo e mais um bolinho de bacalhau.