Você não será menos mãe se escolher o parto cesárea

iG Delas conta qual via de parto é mais indicada pelos especialistas, explica riscos da cesariana e cita situações em que ela se faz necessária
Pexels/Letticia Massari

iG Delas conta qual via de parto é mais indicada pelos especialistas, explica riscos da cesariana e cita situações em que ela se faz necessária

“As pessoas olham torto quando eu falo que fiz uma cesárea”, diz a analista de marketing Maria Júlia Mistretta, de 21 anos. Ela é mãe de Joaquim, que completou um ano neste mês. Na gravidez, ela se preparou para o parto normal. Contratou doula, estudou sobre o assunto e fez até fisioterapia pélvica. “Mas mesmo querendo muito o parto normal, eu tinha na minha cabeça que quem iria escolher a via de parto, quem iria escolher a melhor forma de nascer, seria o Joaquim. Então, eu deixei na mão de Deus mesmo. Se o meu filho quisesse vir por cesárea, por mim estaria tudo bem”, conta ela.

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Maria Júlia ficou 20 horas em trabalho de parto, chegou a 8 cm de dilatação. “Só que eu não estava aguentando mais, o meu colo do útero estava bem grosso e ainda ia demorar muito tempo para chegar aos 10 cm”, afirma. Por isso, ela optou por passar por uma cesárea de emergência, uma cesárea não planejada.

“Eu não fiquei chateada de ter passado pela cesárea. Para mim, foi a melhor coisa que aconteceu, porque a gente já estava há muito tempo tentando o parto normal e não estava conseguindo. Então, eu fiquei aliviada. A cesárea não é um bicho de sete cabeças, como todo mundo pensa que é. Para mim, foi bem tranquilo. O pós também foi tranquilo”, finaliza.

O que dizem os especialistas

Há 30 anos, a comunidade internacional de saúde tem considerado que a taxa ideal de cesáreas seria entre 10% e 15% do total de partos. Essa recomendação surgiu de uma declaração feita por um grupo de especialistas em saúde reprodutiva durante uma reunião promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1985, no Brasil. O grupo de especialistas se baseou em uma revisão dos poucos dados disponíveis na época, provenientes principalmente de países no norte da Europa, que mostravam ótimos resultados maternos e perinatais com essas taxas de cesárea.

“Quando realizadas por motivos médicos, as cesáreas podem efetivamente reduzir a mortalidade e a morbidade materna e perinatal. Porém, não existem evidências de que fazer cesáreas em mulheres ou bebês que não necessitem dessa cirurgia traga benefícios. Assim como qualquer cirurgia, uma cesárea acarreta riscos imediatos e a longo prazo”, diz o relatório “Declaração da OMS sobre Taxas de Cesáreas” (2015). Esses riscos podem se estender muitos anos depois de o parto ter ocorrido e afetar a saúde da mulher e do seu filho, podendo também comprometer futuras gestações, de acordo com o documento.

Nos últimos anos, autoridades governamentais e médicos têm se preocupado com o aumento no número de partos cesáreos e suas possíveis consequências negativas sobre a saúde da mãe e do bebê. Um novo relatório da organização aponta que o número de cesáreas continua crescendo mundialmente, respondendo agora por mais de um em cada cinco (21%) partos. Este percentual deve continuar subindo na próxima década, com quase um terço (29%) de todos os partos ocorrendo por cesariana até 2030, revela a pesquisa.

No Brasil, os números são alarmantes. Dos 287.166 partos realizados por planos de saúde em 2019, 84,76% foram por cesariana, segundo o Painel de Indicadores de Atenção Materna e Neonatal, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Em 2018, um estudo publicado na revista científica Lancet comparou a taxa de cesáreas em diferentes países. O Brasil ficou atrás apenas da República Dominicana. As cesáreas, realizadas tanto pelos serviços privados como pelos públicos, representavam 55,5% do total de partos no país.

Para a ANS, este é um dado que aponta para um cenário preocupante. O painel mostra que 56,71% das cesáreas foram realizadas antes do início do trabalho de parto. Dessas, 37,29% ocorreram em mulheres com idade gestacional entre 37 e 38 semanas.

“Segundo resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), uma cirurgia cesariana antes do início do trabalho de parto deveria acontecer apenas depois das 39 semanas de gestação”, disse a agência em nota. “Bebês nascidos abaixo de 39 semanas têm mais chances de apresentar incapacidade de manutenção da temperatura corporal, imaturidade pulmonar e maior dificuldade de sucção do leite materno”, afirmou ainda.

O custo também é um fator importante

Os riscos de uma cesariana são maiores em mulheres com acesso limitado a cuidados obstétricos adequados. “Recursos financeiros são necessários para melhorar o acesso aos cuidados maternos e neonatais para todos que necessitam, e as cesáreas representam um gasto adicional significativo para sistemas de saúde que já estão sobrecarregados e, muitas vezes, enfraquecidos”, cita a declaração da OMS.

A cesárea pode, sim, causar complicações significativas e até permanentes, como sequelas ou morte, especialmente em locais sem infraestrutura e/ou sem capacidade de realizar cirurgias de forma segura e de tratar complicações pós-operatórias. Para a organização, deveria ser realizada apenas quando for necessária, do ponto de vista médico, em vez de buscar atingir uma taxa específica.

A associação entre taxas de cesáreas e mortalidade poderia ser explicada por fatores socioeconômicos, concluiu a entidade. Porém, nota-se que, quando as taxas de cesáreas de uma população são menores do que 10%, a mortalidade materna e neonatal diminui conforme a taxa de cesárea aumenta. E quando as taxas populacionais de cesáreas ultrapassam os 10% e chegam até 30%, não se observa nenhum efeito sobre a mortalidade.

“Os dados populacionais atualmente disponíveis não permitem avaliar a relação entre taxas de cesáreas acima de 30% e mortalidade materna e neonatal”. A OMS, então, aponta para a necessidade de um sistema de classificação universal para poder avaliar, monitorar e comparar taxas de cesáreas ao longo do tempo em um mesmo hospital e entre diferentes hospitais, cidades ou regiões.

Qual via de parto é a mais indicada?

Existem algumas situações em que a cesariana se faz necessária, por exemplo, quando as contrações estão mais altas do que o normal sem que haja uma evolução do trabalho de parto, o que é chamado de “distocia funcional”. O bebê também deve estar preferencialmente cefálico, isto é, com a cabeça para baixo. Ou ainda, a paciente pode ter que fazer cesárea porque já tem cesarianas anteriores. É o que explica Carlos Moraes, ginecologista e obstetra pela Santa Casa/SP e membro da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO).

“O parto vaginal [normal] é um parto mais fisiológico. Cerca de 70% dos pré-natais que a gente faz nos consultórios, são pré-natais de baixo risco. Se está tudo bem com a mãe e o bebê, então por que não tentar o parto vaginal, que é mais fisiológico, a recuperação é mais rápida, tem um grau de satisfação maior? De uma maneira geral, a opção pelo parto vaginal tem sido preferencial. E eventualmente, quando a paciente não tem indicação de parto normal, a gente faz a cesariana”, completa ele.

Dois partos, duas cesáreas por motivos diferentes

A empresária Maria Berecine dos Santos Fonseca, de 53 anos, é mãe de Bruna, 29, e Lucas, 21. Desde a primeira gestação, ela queria que o parto fosse normal. Entretanto, depois de horas em trabalho de parto, com contrações, foi necessário fazer uma cesárea de emergência. A bebê não estava na posição ideal, mas sim “embaixo da costela”.

“Na cesárea, eu passei muito mal. Eu vomitava muito. E, na hora de puxarem a Bruna, descolaram a bacia dela. A Bruna até hoje tem problema na bacia”, comenta Berenice. “No pós, eu passei muito mal também. Eu sentia bastante dor de cabeça. Então, no segundo filho, eu não queria cesárea de jeito nenhum”.

Na gravidez do caçula, o médico dizia que tudo estava certo para o parto normal. Mas faltando uma semana para completar as 40 semanas de gestação, a empresária começou a sentir cólicas, e o bebê a se mexer muito. No dia seguinte, foi ao hospital e fez um ultrassom: descobriu que precisaria passar por mais uma cesária de urgência. Lucas estava enrolado no cordão umbilical.

“Quando eu soube que teria que fazer outra cesárea, eu chorei muito. Mas o médico dizia: ‘Vai ser tranquilo! É que realmente a gente não tem como esperar mais, senão ele vai se sufocar’. No ultrassom, dava para ver um monte de volta no pescocinho dele e, em uma, ele colocou o bracinho e apertou muito. Eu nem voltei para casa, internei ali mesmo. Mas, dessa vez, a cesárea foi tranquila”, confessou Berenice dos Santos, que ainda admitiu que a cirurgia foi realizada em hospital diferente do primeiro parto.

Mas, ao contrário dela, algumas pacientes podem não querer o parto normal. São vários motivos: questões culturais, comodidade, medo… “Nós sempre explicamos prós e contras de cada tipo de parto. Pelo tempo de recuperação e por ser um parto mais fisiológico, nós sempre incentivamos o parto normal. Mas se a paciente faz a decisão pela cesariana eletiva, essa vontade também tem que ser respeitada. Essa é uma prática reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina já há alguns anos”, finaliza o médico Carlos Moraes.

Fonte: Mulher

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