Conheça os Madija, que no Acre são conhecidos como grandes xamãs

Pertencem à família linguística arawá. Até a chegada dos brancos, formavam um dos grupos mais numerosos nos estados do Acre e sul do Amazonas. Autodenominam-se madija (pronuncia-se madirrá), que significa “os que são gente”. Os brancos são tratados genericamente por cariás. Os madija falam predominantemente a sua língua, inclusive as crianças, sendo raros os bilíngues.

Os Madija é o povo mais fortemente ligado às suas tradições, particularmente sua língua, música e práticas xamânicas. São relutantes em manter contato com outras etnias, índios ou não índios, sendo reconhecidos como grandes xamãs pelos vizinhos, além de serem historicamente lembrados como grandes guerreiros, pelo menos até antes do contato com os brancos, quando passaram a trabalhar para os patrões nos seringais.

Também dominam as técnicas de cultivo e processamento do algodão, dele produzindo suas roupas, tingidas com urucum, bem como suas redes, bolsas e cintos, os quais comercializam esporadicamente nas cidades ou por meio dos múltiplos agentes que eventualmente frequentam suas aldeias.

Os Madija praticamente só falam a própria língua/Foto: Jorge Natal

Produzem colares e pulseiras com dentes de animais e sementes. Utilizam-se bastante das várias espécies de palmeiras para adornos rituais, assim como chapéus, saias e faixas corporais. Também são famosos pelos trabalhos em madeira maciça tais como: bancos em forma de animais como jacarés, antas e onças, além de pequenos bonecos esculpidos e barcos.

Casamento interétnico

Até a presente data, não se conhecem casos de índios Madija morando fora de suas aldeias. No entanto, alguns Huni Kui, que num passado remoto foram inimigos dos Madija, migraram para a região de Manoel Urbano. É o caso de Vagner Marcos Kaxinawá, de 18 anos, que há dois anos mora na aldeia Ipiranga Velho. Ele está casado com Jandira Madija, de 30 anos, com quem tem um bebê de apenas dez meses. “Eu fui casada antes, tenho dois filhos, mas estou sendo feliz agora”, explicou, assegurando que não se importa com a diferença de idade em relação ao seu companheiro.

O problema do saneamento básico

O principal problema nas aldeias é a ausência de saneamento básico, o que provoca a contaminação da água consumida, sobretudo no período das chuvas. Nos últimos cinco anos, segundo um levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), isso teria causado inúmeras mortes nas aldeias do Alto Rio Purus. Os principais sintomas das vítimas foram diarreia, febre, vômito e cãibras.

Para o técnico em saneamento básico da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Delmir Cardoso, de 62 anos, é difícil mudar hábitos e os Madija são a nação mais resistente culturalmente. “Eles quase não consomem açúcar e sal, por exemplo. O sabor e o cheiro deles é diferente do nosso”, explicou o servidor, acrescentando que o trabalho de coleta de lixo e o tratamento da água e do esgoto já avançou nas aldeias da região.

Depois de 25 anos trabalhando em inúmeras regiões da Amazônia, com diferentes etnias, Delmir destaca o comportamento dos Madija: “Sinto-me feliz com esse estado natural deles. São um povo hospitaleiro, que acumula saberes da natureza”, assim concebe ele, que ainda acrescentou: “Aqui existe carinho, respeito, amor ao próximo e felicidade”.  

Trabalho que virou causa

Especializada em Saúde da Família e Comunidade, a médica Deby Correia Soares, de 36 anos, veio passar um ano no Distrito Sanitário Especial Indigenista (Dsei) Alto Purus, no município de Santa Rosa, onde trabalhou com os índios Madija, Huni Kui e Jaminawa. Ficou três anos por lá. Atualmente, atende nas aldeias de Manoel Urbano. “Estou com um ano aqui e não pretendo sair”, disse, sorrindo. “Me identifiquei com o trabalho, especialmente com uma etnia”, acrescentou, referindo-se aos Madija. “Primeiro foi a empatia e depois criamos vínculos”.

Médica Deby Correia Soares criou vínculo afetivo com os madija/Fotos: cedidas

O simples ato de segurar a mão, segundo ela, encoraja, acalma e demonstra carinho durante o atendimento. O acolhimento cuidadoso e atencioso dos profissionais envolve a interculturalidade e a humanização. Nem a diferença de língua impede a qualidade da consulta, que é, na maioria das vezes, de casa em casa.  “É sempre na negociação, uma vez que não estamos aqui para impor, mas para aliar conhecimentos e experiências”, disse Deby Soares, para quem os trabalhos dos pajés e dos médicos são complementares.     

Mesmo enfrentando preconceitos de outros povos indígenas e do branco, os Madija, segundo Deby, são um povo alegre cujo bem viver é a sua filosofia de vida. “É uma prática ancestral de ligação com a natureza, de harmonia, de reciprocidade entre os povos e todos os seres que fazem parte desse universo, contrapondo-se à concepção capitalista de competitividade, consumismo, entre outras”, explicou a médica.

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