Já percebeu que sempre que estamos atrasados, pegamos o sinal fechado, não achamos um pé da meia ou o elevador está parado “há horas” em algum andar? Tem dias que acontece tudo isso junto, em uma sequência de imprevistos que inevitavelmente nos leva a chegar atrasados ao nosso destino: perdemos a escova de cabelo, não achamos o pé da meia (por que será que sempre perdemos só um pé da meia?) e o elevador está preso em algum andar. Nestes dias o relógio parece andar muito mais veloz que de costume.
E foi justamente em um desses dias que conheci a “nova” vizinha. Dona Clotilde, do 502. Uma adorável senhora de aproximadamente 80 anos. Rígida… Mais lúcida que eu. O que, convenhamos, não é grande feito. O elevador, provavelmente na intenção de me atrasar ainda mais, parou dois andares abaixo do meu, para que entrasse aquela velhinha de cabelos curtos e brancos, cheiro de alfazema e olhar marejado.
– Bom dia, eu disse laconicamente a ela.
Após me olhar de cima a baixo, ela respondeu:
– Bom dia meu jovem.
E prosseguiu:
– Já percebeste o quanto algumas pessoas são hipócritas?
Nem deu tempo para eu responder que sim. Ela emendou imediatamente:
– Hoje cedo, no estacionamento da farmácia, um rapaz assim como você estava ocupando a vaga destinada aos idosos. Ao perceber minha indignação, saiu-se com essa: “Desculpe senhora, foi rapidinho. Só o tempo de comprar o remédio da minha esposa.”
O elevador chegou ao térreo. Após respondê-la com um sorriso verdadeiramente simpático, complementei:
– Também acho isso uma tremenda falta de civilidade. Tenha um bom dia.
–Bom dia para você também, que Deus te abençoe.
E partiu com seu pisar firme, sabe-se lá para aonde. Já tinha ido à farmácia, talvez agora fosse a vez da padaria ou açougue.
Passei parte do dia refletindo sobre o que Dona Clotilde havia falado. Até que ponto podemos desrespeitar direitos de terceiros para satisfazer nossa necessidade imediata? Podemos? Existe um limite tolerável para a falta de civilidade?
Lembrei de um colega de trabalho que em um bate-papo cotidiano me disse: “Vaga destinada a deficiente físico eu respeito, mas na de idoso eu estaciono tranquilamente”. E o rapaz ainda embasou a sua postura: “Tem muita gente que pega o carro do pai ou avô, que tem adesivo da terceira idade, e estaciona nessas vagas. Por isso, se eu estiver com pressa, estaciono mesmo”.
Para esse jovem, os deficientes físicos merecem respeito, os idosos nem tanto. Vai depender da sua pressa. Normalmente é esse tipo de cidadão que enche o peito e bate na mesa do bar para vociferar contra a corrupção dos políticos brasileiros. Acreditam, ou fingem acreditar, que sua “pequena” transgressão, motivada pela pressa, “não é nada demais”. Segue colocando a culpa de todos os problemas do país nos políticos e acreditando ser um bom cidadão. Não é! Quem não respeita os mais velhos não é digno do meu respeito.
E do seu?