21% dos infectados por coronavírus relataram só problemas de pele, diz estudo


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'Efeitos da covid': 21% dos infectados por coronavírus relataram só problemas de pele, diz estudo
Cristiane Martins – De Londres para a BBC News Brasil

‘Efeitos da covid’: 21% dos infectados por coronavírus relataram só problemas de pele, diz estudo

Mais de 50 efeitos foram associados à covid-19 desde o início da pandemia, mas um deles tem duas características quase exclusivas: em vários casos, a lesão na pele pode servir tanto como um sinal de alerta antecipado para pessoas que contraíram coronavírus, quanto acabar sendo o único sinal clínico ao longo da infecção inteira.

Essas informações foram reunidas por pesquisadores do King’s College London, no Reino Unido, em um estudo com base em informações coletadas de quase 350 mil pessoas. Em números, 17% das pessoas que testaram positivo apontaram que erupções na pele foram as primeiras de várias manifestações, e 21% das pessoas disseram que esses sinais dermatológicos foram os únicos sinais clínicos da covid-19.

Os pesquisadores dividiram os efeitos relatados pelos pacientes em dois grandes grupos: exantemas e erupções inflamatórias / lesões vasculopáticas.

A relação entre manifestações dermatológicas e a covid-19 chamou a atenção dos médicos logo no início da pandemia. Já em março de 2020, profissionais de saúde de um hospital na região italiana da Lombardia, duramente atingida na primeira onda da doença logo após o surgimento na China, identificaram o surgimento desses sinais em 20% dos pacientes atendidos ali.

Naquele momento, também ficou claro que a covid-19 poderia estar na lista de infecções virais comuns que envolvem manifestações na pele, como dengue, zika e chikungunya. Isso, no entanto, não exclui outras hipóteses, como reações medicamentosas adversas, resposta imune, ataque direto do vírus e fatores emocionais.

Banco de Imagens de Covid - Reprodução banco de imagens do site Covid Skin Signs

Reprodução
Cientistas do King’s College London montaram um banco de imagens online com manifestações dermatológicas pelo coronavírus

Paulo Criado, coordenador do departamento de Medicina Interna da Sociedade Brasileira de Dermatologia, levanta até a hipótese de essas manifestações serem um “bom sinal” de que o corpo conseguiu se defender da invasão do vírus. “Talvez essas pessoas que tiveram manifestações dermatológicas podem ter tido uma resposta imunológica adequada, mas de certa forma até exagerada. E essas lesões dermatológicas seriam decorrentes da produção de várias proteínas inflamatórias, as citocinas, que acabam circulando no organismo e causando esse tipo de erupção na pele”, disse em entrevista à BBC News Brasil.

Há muitas dúvidas ainda sobre causas, tratamentos e possíveis efeitos, e pesquisadores ainda tentam mapear a extensão do problema. O grupo de cientistas do King’s College London, inclusive, se associou à Associação Britânica de Dermatologistas para montar um banco de imagens online a fim de ampliar a compreensão sobre a doença e informar profissionais de saúde e a população em geral.

A BBC News Brasil reúne abaixo o que se sabe até agora sobre possíveis causas dessas manifestações dermatológicas, o momento em que surgem e somem esses sinais, os grupos mais atingidos e os possíveis tratamentos adotados por especialistas para atenuar ou acabar com sinais persistentes.

Erupções na pele como sinal de alerta

Pouco antes do Réveillon de 2020, a empresária Taina Fernandes, 25, começou a sentir uma coceira no corpo inteiro que não passava com nenhuma das soluções caseiras que tinha à mão, como cremes hidratantes e banhos gelados. Dias depois, um médico da cidade onde mora, Itapira (SP), apontou um diagnóstico de urticária, tipo de irritação na pele avermelhada e inchada que coça, e receitou antialérgico.

A coceira, no entanto, não parou. E a relação com covid-19 só lhe viria à cabeça dias depois, quando Taina e familiares próximos começaram a apresentar outros sintomas da doença, como falta de ar, tosse e febre. Apenas ela apresentou coceira e bolhas na pele.

Semanas após o início dos sinais na família, o pai dela e um tio acabariam morrendo de covid-19. E ela, mais de dois meses depois, ainda enfrenta efeitos dermatológicos, que estiveram presentes antes, durante e depois da infecção. “Até quando vou ficar tomando remédio?”, se pergunta.

A dúvida sobre a duração das manifestações está presente em todos os sinais ligados à chamada covid longa (ou persistente), uma condição de saúde que pode durar semanas, meses ou até ser permanente e acomete milhares de pessoas ao redor do mundo. E os cientistas ainda não têm respostas claras sobre esses períodos.

Há também diversas lacunas sobre o que leva a esses sinais dermatológicos ligados à covid-19, como identificar quais das mais de 3 mil doenças de pele podem surgir nesse quadro de saúde.

Imagem de Taina Fernandes com manifestações dermatológicas diagnosticadas como urticária

Arquivo pessoal
Taina Fernandes sentiu coceira no corpo inteiro

O levantamento liderado pelos pesquisadores do King’s College London apontou que os três sinais mais comuns eram eritema papular, eritema vesicular, urticária e lesões acrais. As manifestações em geral duram de 5 a 14 dias, são ligeiramente mais presentes em mulheres, mas não há diferença significativa de uma faixa etária para outra, afirmam os pesquisadores, no trabalho divulgado em janeiro de 2021.

E o que pode causá-los?

“O sistema imune sendo muito ou pouco ativado é capaz de desencadear algumas reações imunológicas, como até mesmo uma urticária. Então nós temos as lesões vasculares, as dos sistema imune e as farmacodermias, além de um grupo de doenças como se fosse causada pelo próprio vírus na pele, mas nesse caso seria secundário. Mas as mais comuns são as manifestações vasculares através da pele”, explica o dermatologista David Azulay, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio.

Para especialistas ouvidos pela reportagem, o mais provável é que não há apenas uma, mas várias causas para diferentes grupos de pacientes.

No caso da hipótese de reação do sistema imunológico, Paulo Criado, da Sociedade Brasileira de Dermatologia, explica que boa parte disso envolve dois tipos de células ligadas ao sistema de defesa (macrófagos e monócitos) contra o coronavírus e a quantidade de interferons que o corpo produz ao ser invadido.

Os interferons são glicoproteínas com alta atividade antiviral produzidas em nosso corpo. Apelidados de “soldados da linha de frente”, eles são considerados parte essencial da defesa do organismo contra múltiplos vírus, incluindo o novo coronavírus.

“Se você produz precocemente uma quantidade de interferons boa, você vai acabar matando o vírus antes que ele se multiplique em quantidade que possa levar aquela tempestade de citocinas, que é o que mata a pessoa na segunda ou terceira semana de doença”, afirma Criado. Essa “tempestade” é o nome dado a substâncias agressivas (citocinas) que o sistema imunológico libera para atacar um invasor, mas que num quadro de reação exagerada pode acabar atacando partes vitais do corpo e levando à morte.

A possibilidade de farmacodermia, uma das hipóteses levantadas por Azulay, da UFRJ e PUC-Rio, pode estar ligada ao uso desenfreado do chamado “tratamento precoce” (“kit covid”), que é um grupo de remédios que são receitados no Brasil contra a covid-19, mas que não têm qualquer comprovação científica de eficácia. Esses medicamentos podem gerar uma série de efeitos colaterais, como arritmia, comprometimento do fígado e lesões na pele.

Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia, a reação dermatológica a novos remédios é muito frequente e pode ocorrer por dosagem excessiva, efeito colateral, reação alérgica ou interação entre medicamentos (há relatos na pandemia de reação à azitromicina associada à hidroxicloroquina, mas não há estudos amplos sobre o tema que confirmem isso).

Há, por fim, casos ligados à quarta hipótese de origem das manifestações dermatológicas: o impacto direto do vírus na pele. Paulo Criado conta ter realizado uma biópsia em um paciente com um tipo de urticária (a vasculite) que não respondia ao tratamento convencional e descobriu a presença na pele do Sars-CoV-2, o coronavírus que causa a doença covid-19.

Até aquele momento, esse paciente era considerado assintomático e enfrentava um quadro de doença dermatológica mais difícil que o habitual. “Quantos estão tendo isso e não sabem? Acredito que a subnotificação seja grande, principalmente nesses casos oligossintomáticos, que é como chamamos sintomas muito leves que o próprio paciente não valoriza.”

Imagem de Thais Fernanda em que mostra manifestações dermatológicas diagnosticadas como urticária

Arquivo pessoal
Thais Fernanda foi encaminhada para o centro de reabilitação pós-covid com urticária ficou mais intensa depois que a infecção acabou

Quais são as principais manifestações na pele associadas à covid-19?

Em abril de 2020, um grupo de pesquisadores da Espanha identificou as manifestações dermatológicas mais comuns em pacientes infectados durante a primeira onda da doença que varreu o país. Foram reportados 375 casos, listados em um estudo publicado na revista científica British Journal of Dermatology.

Os pesquisadores agruparam cinco tipos de erupções cutâneas, sendo a mais comum as chamadas maculopápulas, pequenas brotoejas vermelhas e achatadas ou elevadas que tendem a aparecer no torso. Elas estavam presentes em 47% dos casos por quase uma semana e junto de outros sinais.

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Os outros quatro padrões identificados na Espanha foram:

– Lesões assimétricas, semelhantes a frieiras, ao redor das mãos e pés, que podem causar coceira ou dor. Geralmente encontradas em pacientes mais jovens, duraram em média 12 dias, apareceram mais tarde no curso da doença e foram associadas a infecções leves. Representaram 19% dos casos.

– Pequenas bolhas, muitas vezes acompanhadas de coceira, encontradas no torso e nos membros. Mais incidentes em pacientes de meia idade, duraram cerca de 10 dias e apareceram antes de outros sinais. (9%)

– Áreas de pele rosadas ou brancas que pareciam comichões acompanhadas de coceira. Principalmente no corpo, mas às vezes nas palmas das mãos. (19%)

– Livedo (também conhecido como necrose) esteve presente em 6% dos casos. A pele parecia vermelha ou azul, com um padrão semelhante ao de redes. Representa um sinal de má circulação sanguínea. Apareceu em pacientes mais velhos com doença grave.

Naquela época, os pesquisadores consideravam essas manifestações dermatológicas pouco úteis para o diagnóstico da doença porque eles apareciam depois de outros sinais mais comuns (como tosse) e porque eles têm causas diversas e demandam muito conhecimento técnico para diferenciá-los.

Hoje, especialistas notaram que erupções vesiculares aparecem no início do ciclo da doença (15% antes de outros sinais) e os eritemas pérnio (dedos de covid) geralmente aparecem tarde na evolução da doença (59% após outras manifestações), e os outros aparecem junto com os outros sintomas de covid-19.

O banco de imagens criado pelos pesquisadores do King’s College London com a Associação Britânica de Dermatologia divide as fotos de manifestações associadas à covid em oito grupos:

  • Eritema pérnio (Dedos de covid)
  • Eczema no tórax e pescoço
  • Manifestações bucais
  • Pápula e vesicula
  • Pitiríase rósea
  • Púrpura
  • Urticária
  • Exantema viral

Sinais como os que aparecem nessas imagens devem servir de alerta para uma possível infecção por coronavírus e até mesmo para o autoisolamento, apesar de todas as limitações envolvidas no diagnóstico. “Pacientes que chegarem aos médicos com suspeita de efeitos dermatológicos de covid devem ser submetidos a testes para diagnosticar o coronavírus. Mas, para muitos pacientes, as manifestações cutâneas podem surgir semanas ou meses após a infecção e, portanto, o teste (PCR) geralmente será negativo”, explicam os pesquisadores.

O que são os dedos de covid?

“Dedo de Covid” é o apelido popular para perniose (eritema pérnio), que são bolinhas avermelhadas ou azuladas que aparecem nos dedos dos pés e das mãos, e no caso da covid-19 até no calcanhar. Ela pode ocorrer por alguns fatores, como infecções, exposição ao frio e doenças reumatológicas como o lúpus.

Essa condição, que chamou a atenção durante o primeiro pico da pandemia de covid-19, é uma inflamação ao redor dos vasos de sangue da pele que leva a formar uma lesão. Pode coçar ou queimar. Em condições raras, pode haver algum coágulo que produz uma ferida.

Criado, da Sociedade Brasileira de Dermatologia, afirma que os dados disponíveis até agora apontam que esse sinal aparece em pessoas com boa imunidade contra os antígenos virais, como crianças e jovens adultos, que podem ter uma “resposta tão boa com o interferon que esse ele acaba agredindo as células dos vasos de sangue das extremidades”.

Alguns pacientes com esse sinal pode inclusive ter resultado negativo para a presença do vírus no corpo, dada a velocidade com que o corpo eliminou o vírus. Em geral, os “dedos de covid” somem de duas a três semanas após o contato com o vírus.

Imagem de Taina Fernandes com manifestações dermatológicas diagnosticadas como urticária

Arquivo pessoal
Taina Fernandes teve manifestações dermatológicas diagnosticadas como urticária

Teleconsultas, tratamentos e inteligência artificial

Além da sobrecarga do sistema de saúde público e do baixo número de pessoas com plano de saúde privado no Brasil, um dos principais obstáculos ao diagnóstico e ao acompanhamento de pacientes durante a pandemia é a necessidade de distanciamento social. Por isso, muitos médicos de diversas áreas passaram a atender remotamente, por meio de teleconsultas.

Mas no caso de doenças dermatológicas esse tipo de atendimento fica bastante comprometido por causa da complexidade do diagnóstico e da qualidade da imagem gerada pelos aparelhos dos médicos e dos pacientes, além da necessidade de palpar partes do corpo do paciente, como os gânglios, e da eventual realização de biópsias.

“A teledermatologia é um ótimo recurso quando já houve uma primeira consulta presencial com o paciente, e ela serve para um acompanhamento. O grande problema que temos é ter uma ótima resolução de câmera do paciente, mas geralmente ela está fixa no computador e você precisa olhar o pé, dentro da boca, o genital. Imagine o malabarismo, é extremamente desagradável.”

Por outro lado, a tecnologia tem tentado auxiliar no diagnóstico das milhares de doenças dermatológicas. Um estudo produzido em fevereiro por pesquisadores de um laboratório indiano propôs um algoritmo com redes neurais capazes de detectar lesões cutâneas relacionadas a covid-19 a partir de imagens clínicas.

Esse estudo usou imagens que se enquadram em 6 categorias clínicas principais como erupção urticariforme, erupção maculopapular, erupções vesiculares, erupção cutânea (semelhante a frieira), erupção cutânea (semelhante a livedo e púrpura).

O modelo demonstrou uma precisão geral de 86.7% para todas as 20 doenças na detecção de lesões em peles de pessoas brancas e negras, mas o caminho até a aplicação clínica é longo e demanda participação ativa de dermatologistas especializados nos difíceis diagnósticos.

A complexidade do diagnóstico dificulta ainda mais definir eventuais tratamentos para essas manifestações dermatológicas. Mas, de todo modo, eles não devem variar muito além do que médicos já prescrevem em outras situações.

Thais Fernanda, por exemplo, conta que foi encaminhada para o centro de reabilitação pós-covid da cidade onde mora, Presidente Prudente (SP), depois que a urticária ficou mais intensa depois que a infecção acabou. A equipe médica lhe receitou corticosteroides.

Carina Fernandes, de Viamão (RS), também apresentou manifestações dermatológicas pós-covid. Três meses após os primeiros sintomas, ela acordou com vergões vermelhos na pele que coçavam muito. Também diagnosticada com urticária, foi submetida a um tratamento com anti-histamínico e anti-inflamatório e os sinais têm recuado.

Especialistas alertam para o risco de automedicação, e recomendam que todas as pessoas com manifestações dermatológicas agudas busquem atendimento médico, mesmo durante a pandemia, tomando todos os cuidados necessários com máscaras e distanciamento social.

Fonte: IG SAÚDE

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